Tradicionalmente, as viagens nunca foram associadas a momentos de consciência, ativismo ou ação. Estamos acostumados com a ideia de que o turismo existe para satisfazer as vontades e dar prazer aos viajantes. Quem nunca usou a desculpa “ah, estou de férias” para abrir mão de certas preocupações ou tarefas? Aos poucos, estamos mudando nossa percepção sobre as viagens, entendendo que elas têm objetivos muito mais diversos, como a descoberta de novos saberes, transformações pessoais, geração de emprego e renda e preservação de culturas e do meio ambiente.
No entanto, se não agirmos rápido, em pouco tempo não teremos mais acesso aos destinos que tanto amamos e sequer teremos saúde para visitá-los. Sabemos que a Terra e seus recursos estão sendo consumidos muito acima do nível que o planeta é capaz de repor e nossas atitudes diárias são diretamente responsáveis por essa destruição. Chegou a hora, então, de entendermos como algumas atitudes essenciais para a nossa sobrevivência não precisam caminhar contra nosso conforto e que o cuidado com o planeta não pode tirar férias.
Por que ser um viajante amigo do clima?
As viagens são responsáveis por cerca de 8% das emissões globais de gases de efeito estufa e, portanto, não podem ficar de fora das nossas preocupações com as mudanças climáticas e o aquecimento global. Mas, para que o movimento por um turismo mais sustentável seja abraçado de fato por todos os viajantes, destinos e empresas de turismo, precisamos descomplicar as ações necessárias e encontrar a mesma satisfação e prazer nas alternativas mais conscientes que nos são apresentadas. Minha dica é: comece questionando seus próprios comportamentos diários, seja na alimentação, no consumo de produtos que levam químicos, na economia de energia e água. Entenda como você pode mudar hábitos sem ter “mais trabalho” e, ao mesmo tempo, sentindo-se feliz por estar ajudando o planeta a se recuperar. A sustentabilidade começa em casa!
Agora vamos para o momento da sua viagem. Reuni aqui 10 dicas de como você pode ser um viajante amigo do clima, ajudando a preservar o meio ambiente e reduzir sua pegada de carbono nas viagens. Me conta lá nos comentários o que você já costuma fazer e o que está tentando mudar por aí? Outras dicas são mais do que bem-vindas!
Lembro que não precisamos mudar radicalmente de uma hora para a outra. Embora estejamos vivendo uma emergência climática, a proposta é fazermos aos poucos e começando por onde é mais fácil e prazeroso para nós. Assim, temos mais chances de ter sucesso.
📑 Planejando a viagem:
1. Escolha destinos menos impactados pelo turismo predatório:
Evitar destinos que já estão sofrendo com o turismo de massa, excesso de lixo, escassez de água, questões sanitárias e outros problemas ambientais é uma ótima forma de começar. Muitas vezes temos a opção de visitar destinos vizinhos com atrativos também incríveis, mas seguimos o óbvio sem questionar. Informe-se o máximo possível sobre quais são as questões ambientais e sociais no destino que você escolheu e, ainda que decida por ele, veja como você poderá contribuir para não ampliá-las. Porto de Galinhas, por exemplo, é um lugar que tem sofrido bastante com esgoto e construções ilegais da hotelaria. Será que você pode optar por Maracaípe ou Ipojuca?
2. Adapte-se ao slow travel e permaneça mais tempo em cada destino:
O slow travel nada mais é do que uma proposta de viagens mais lentas e bem aproveitadas, com estadias mais longas em cada destino. Ao invés daquele famoso “mochilão” onde contabilizamos 6 países em 10 dias, o slow travel sugere que os viajantes permaneçam por mais tempo em um lugar, conhecendo mais a fundo as pessoas, sua cultura e atrativos. Viajando assim você acaba não só contribuindo para uma economia mais sustentável e inclusiva na região, como reduz as emissões de carbono geradas pelo transporte frequente. Conhecer com calma um só lugar também vai te facilitar entender melhor os riscos ambientais daquele destino e como você pode contribuir para neutralizá-los fazendo as escolhas certas.
3. Reserve hospedagens que trabalham com práticas sustentáveis:
Depois do transporte, a hospedagem é uma das maiores fontes de impacto ambiental para o destino. Imagine a quantidade de água e energia que um hotel pode consumir e de lixo que gera. Além disso, os que não assumem responsabilidade muitas vezes já começam construindo em áreas irregulares, destruindo o ecossistema local e não dando destino correto ao lixo e esgoto. Quando você escolhe uma hospedagem que realmente se preocupa com o planeta, há uma série de impactos que você está evitando. Pesquise e pergunte se o hotel ou pousada se preocupou em ocupar uma área pequena com construções, deixando a natureza manter seu espaço; se dão tratamento adequado ao lixo e esgoto e evitam plásticos; se consomem alimentos produzidos localmente.
4. Faça uma mala leve!
Taí um hábito que a gente acha que só faz diferença na hora de subir uma escada. Mas não é verdade. Além de te incentivar a consumir e comprar menos (será que você realmente precisa levar tanta roupa e ainda comprar peças novas para viajar?), uma mala mais leve também reduz o consumo de combustível que o transporte (seja carro, avião, ônibus) precisa para fazer a viagem. Bom para as suas costas e bom para o planeta! O Menos 1 Lixo tem essas ótimas dicas de como montar uma Mala Cápsula.
🛫 Durante a viagem:
5. Faça escolhas conscientes de transportes e prefira voos diretos
Embora ele seja o maior vilão das emissões de CO2 em uma viagem, sabemos que nem sempre dá para abrir mão do avião para chegar no destino. Neste caso, uma boa sugestão é sempre evitar escalas e buscar voos diretos, que consomem menos combustível, e dar preferência à classe econômica. Além disso, dê preferência às companhias aéreas que estão investindo mais em reduzir seus impactos, com biocombustíveis, aeronaves mais ágeis, redução do uso de plástico e compensação de carbono. É o caso da LATAM, da KLM e da Delta Air Lines, por exemplo. No aplicativo FlyGreen você pode fazer uma pesquisa dos voos que geram menor impacto.
Sempre que possível, opte pelo trem, ônibus e outros transportes coletivos e, no destino, nada melhor do que andar à pé ou de bicicleta! Esses dois últimos são, sem dúvidas, os meios de transporte mais sustentáveis.
7. Apoie guias locais e agências responsáveis:
Quando você reserva suas atividades e passeios com agências que trabalham com turismo responsável, você também está fazendo uma escolha para reduzir seus impactos no meio-ambiente. Agências e guias que têm essa preocupação vão poder te orientar em relação a comportamentos prejudiciais ou positivos para aquele destino, além de incentivar o envolvimento de outros fornecedores que também prezam pelos cuidados ambientais.
8. Leve sempre seu Kit Lixo Zero e evite plásticos descartáveis:
Não espere que os outros façam o trabalho por você. Leve na sua mão sempre uma bolsa ecológica para suas compras e, principalmente, uma garrafinha de água retornável. Sempre que puder, opte também por biocosméticos, shampoos, condicionadores e protetores solares que não vão causar danos ao meio ambiente e destruir o destino que você certamente vai querer voltar! Se o hotel não fornece esses itens, você terá o seu! Também vale sempre carregar um canudo de alumínio, kit de talheres e qualquer outro recurso que te ajude a gerar menos lixo no local.
9. Alimente-se conscientemente
Precisamos entender que uma alimentação consciente não é só sobre ser vegano e proteger os animais. É uma questão muito mais complexa, que envolve desde o incentivo ao pequeno produtor, até a redução de impactos ambientais, como desmatamento e enormes emissões de gases de efeito estufa. Já sabemos que a agropecuária intensiva pode ser devastadora para muitos ecossistemas e, em contrapartida, pequenos produtores, que trabalham com princípios de agricultura sintrópica, são importantes para a preservação da biodiversidade em um destino. Além disso, o alimento produzido localmente gera impactos muito menores, ao dispensar longos trajetos de transporte. Quando escolhemos restaurantes que valorizam o alimento local e o pequeno produtor e evitam o desperdício, também estamos ajudando o planeta, além de fazer um bem para a nossa própria saúde.
10. Visite parques e apoie o ecoturismo:
Um viajante amigo do clima pode agir positivamente em qualquer lugar, seja em uma cidade grande, em uma praia paradisíaca ou em uma fazenda no interior. Mas, se você gosta e tem a oportunidade de incentivar o ecoturismo, faça isso. Quando visitamos parques estaduais e nacionais ou outras aéreas onde o turismo de natureza é praticado de forma responsável, na maioria das vezes estamos ajudando a preservar aquela região. Embora a visitação possa gerar alguns impactos, ela tem também a função de trazer recursos financeiros e conscientização para a preservação de uma área muito maior. Isso é o que acontece, normalmente, quando pagamos entrada para visitar um Parque Nacional. Temos direito a acessar um trecho do parque, mas uma área muito maior está sendo protegida.
💚 Depois da viagem:
11. Compense as emissões de carbono da sua viagem:
Essa não é uma prática que nós brasileiros estamos acostumados. Mas promete crescer bastante daqui para a frente, com o agravamento da crise climática e também a conscientização cada vez maior dos viajantes. As companhias aéreas, maiores responsáveis pelas emissões de carbono do turismo, estão começando a agir para reverter seus impactos. A KLM já lançou em 2019 uma audaciosa proposta, o programa Voe com Responsabilidade, em que se compromete com a questão, mas também convida os viajantes a agirem, refletindo até mesmo sobre a necessidade de pegar um avião. A LATAM anunciou esta semana uma extensa estratégia de sustentabilidade e, entre várias iniciativas, também vai oferecer aos passageiros a oportunidade de compensar as emissões dos voos. Ainda é difícil calcularmos as emissões e impactos de toda a nossa viagem. Praticamente todas as calculadoras se limitam a avaliar apenas a pegada de carbono da parte aérea ou, no máximo, de outros transportes. Mas já é um ótimo passo.
Para compensar suas emissões você precisa primeiro usar uma calculadora de pegada de carbono. Algumas companhias aéreas já oferecem a calculadora em seus sites ou você pode usar as que estão disponíveis online. Também coloquei uma calculadora aqui no fim do texto para você testar. O segundo passo é escolher que programa irá usar para compensar. É interessante se informar sobre como e onde os créditos de carbono que você compra são transformados. Em que países o programa que você escolheu investe? O programa vai além de apenas plantar árvores? No caso da iniciativa Tomorrow’s Air, por exemplo, ao invés do plantio de árvore, os créditos são investidos na remoção de CO2 direto da atmosfera.
De qualquer forma, é importante termos consciência de que compensar emissões não é a solução. Precisamos, antes de mais nada, pensar e agir para realmente reduzir os nossos impactos no meio ambiente. A mentalidade “destruir para depois consertar” já se provou ineficiente. Ela precisa ser transformar em “não destruir” e, ainda melhor: regenerar.
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