Viajante Responsável

Turismo e justiça climática: como as mudanças climáticas afetam comunidades e destinos?

justiça climática
Escrito por Lucas Oliveira

Enchentes devastadoras, estiagens extremas, calor acima da média… As mudanças climáticas são sequelas das ações insustentáveis do ser humano. Além de comprometer a biodiversidade do planeta, esse desequilíbrio coloca em risco culturas e populações profundamente vulneráveis a essas alterações, como as comunidades tradicionais e pequenos produtores. Atores indispensáveis para o turismo e para a conservação do meio ambiente, essas populações são as que menos contribuem para a crise climática e as que mais sofrem com os impactos das catástrofes. Ao invés de promovermos um “turismo do fim do mundo”, que tal propormos um turismo que contribua para a justiça climática e para a proteção do nosso planeta?

Cortina de fumaça

Nas reportagens que anunciam as tragédias climáticas, é comum encontrarmos frases como “enchentes mataram dezenas” ou “fumaça causa internações”. O problema de tornarmos os desastres ambientais sujeitos destas orações é que, ao fazê-lo, estamos encobrindo seu verdadeiro causador — o ser humano. Por trás da péssima qualidade do ar, por exemplo, existem incêndios criminosos e o nível de destruição das chuvas extremas também é condicionado pelo nosso projeto de urbanização que, além de alterar o curso natural dos rios e impermeabilizar o solo, não prepara as cidades para essas catástrofes.

Tuvalu justiça climática

Tuvalu, o pequeno arquipélago da Oceania que corre o risco de ser engolido pelo mar | Foto: US Department of State

Para superar o colapso climático, precisamos enfrentar as tentativas de ilusão e distração, como o negacionismo climático, que deslegitima a ciência do clima para manter comportamentos e práticas insustentáveis em prol de interesses econômicos, ou as propostas rasas para solução da destruição ambiental, como a compensação das emissões de carbono da aviação.

Reverter esse cenário também vai exigir um novo olhar para a natureza, novas formas de produção e um outro modelo de sociedade. Para nos inspirar, podemos contar com as populações tradicionais, importantes aliadas na conservação do meio ambiente e na mitigação das mudanças climáticas. Apesar de terem suas contribuições encobertas e até desvalorizadas, essas comunidades também atuam na linha de frente dos desastres ambientais — nos combates às queimadas, por exemplo, mais da metade dos brigadistas do Ibama são indígenas e quilombolas.

justiça climática

Brigadistas do Prevfogo Ibama combatem focos de incêndio nos arredores de Corumbá-MS. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Justiça climática – mudanças que afetam o local antes do global

Apesar de as mudanças climáticas afetarem o mundo como um todo, isso não acontece de forma igualitária ou uniforme. Países tropicais como o Brasil, por exemplo, são mais afetados pelas mudanças de temperatura e precipitação do que países da Europa. Crianças e adolescentes, principalmente as que vivem em situação de maior vulnerabilidade, além de terem seus direitos fundamentais ameaçados, são as que mais sofrem o fardo das mudanças climáticas.

justiça climática

Ribeirinhos convivem com seca e lixo na Amazônia | Foto: Paulo Desana/Dabukuri/ISA

Além dos jovens, as populações negra e periférica, mulheres, camponeses, comunidades tradicionais e pequenos produtores são os grupos que estão mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, mas são os que menos contribuem para a destruição do planeta. Enquanto isso, a população 1% mais rica do mundo emite mais do que o dobro de CO² do que os 50% mais pobres do mundo, segundo o relatório A Desigualdade Mata, da OXFAM. São essas pessoas que colhem os benefícios das atividades que destroem o planeta e causam tantos prejuízos para os grupos menos providos de riquezas.

Usado pela primeira vez na década de 90, como um desdobramento dos movimentos por justiça ambiental, o termo justiça climática busca defender os direitos das populações mais vulneráveis e dividir, de forma justa e igualitária, os custos e impactos das mudanças climáticas. Além disso, a luta por justiça climática também procura garantir que as decisões dessa pauta sejam participativas, transparentes e responsáveis, ouvindo as mulheres e quem mais sofre com a crise, e usando a educação como ferramenta para conscientizar e transformar a sociedade.

Conheça os princípios da justiça climática elencados pela Mary Robinson Foundation.

Algumas comunidades, como as populações tradicionais, além de ter que lidar com os impactos mais extremos do colapso da Terra, precisam ainda enfrentar a escassez de recursos para conseguir se adaptar às mudanças. Quando dependentes economicamente do turismo, os riscos climáticos podem ameaçar seus meios de subsistência e até a qualidade de vida dessas populações.

Pescadoras do litoral sul baiano, em Belmonte, por exemplo, já se deparam com o desaparecimento, e até morte, de algumas espécies de peixes e o assoreamento do rio. Além de afetar o bolso, já que a pesca é a principal forma de essas mulheres garantirem o seu sustento e de suas famílias, esses problemas também colocam em risco a própria cultura da pesca artesanal, que acumula tradições e saberes ancestrais.

justiça climática

Pescadoras e marisqueiras de Belmonte, na Bahia, enfrentam a crise climática | Foto: Bruno Pinheiro/Conservação Internacional

Com o aumento da temperatura média, um dos reflexos das mudanças climáticas, famílias extrativistas na Amazônia estão perdendo suas produções de açaí e castanhas, mesmo dentro de Unidades de Conservação. Uma pesquisa sobre as principais espécies vegetais utilizadas para a subsistência dessas famílias mostrou que, considerando as tendências de emissões de CO², metade das espécies de árvores avaliadas podem desaparecer, se não forem implementadas políticas de mudança climática. O estudo também aponta que, para além da perda da biodiversidade, esse cenário também trará consequências socioeconômicas, como o agravamento da pobreza e o êxodo rural.

No semiárido cearense, onde artesãs da comunidade Muquém de São Pedro transformam a palha da carnaúba em trançado, as alterações nas temperaturas e no período de chuva também vêm causando prejuízos. Com o calor excessivo, a palha fica bem mais frágil e elas precisam produzir em um ritmo mais lento. Já as chuvas fora de época atrapalham a colheita e o processo de secagem do material. As mulheres da comunidade, que possui cerca de 40 famílias, também precisam enfrentar o machismo e o descaso do poder público, lutando por sua independência financeira e por visibilidade.

Mulheres da Associação de Artesanato Mucaúba, da comunidade Muquém de São Pedro, no Ceará | Foto: Associação Mucaúba

Ações para um turismo que apoia a justiça climática

A corrida não é para visitarmos lugares que estão prestes a desaparecer (até porque isso pode acelerar ainda mais esse processo), mas para evitar que culturas, modos de vida, biomas, destinos, histórias e pessoas deixem de existir. Ainda estamos longe de um turismo que considera as mudanças climáticas e se propõe a enfrentar as desigualdades que o colapso da Terra vem acentuando, mas este é um diálogo que precisa estar presente.

A organização The Travel Foundation elencou algumas ações que empresas de viagem podem adotar para apoiar a justiça climática no turismo. Entre elas estão:

  • Implementar políticas e práticas internas que promovam a justiça climática dentro da organização, como através da contratação de pessoas de grupos mais vulneráveis e do cuidado com o bem-estar da equipe;
  • Engajar fornecedores locais e outras iniciativas do setor a adotarem uma cadeia com menor impacto ou que ajude a mitigar as mudanças climáticas (e apoiar os que já fazem isso!);
  • Estabelecer parcerias com projetos e comunidades que restauram ecossistemas e promovem ações sustentáveis;
  • Desenhar experiências que envolvam turistas em projetos sustentáveis de comunidades marginalizadas;
  • Promover, através de suas redes e de outros canais de comunicação, a conscientização dos viajantes.

O turismo depende das pessoas e do meio ambiente, portanto, combater o colapso climático é um dever de moradores, viajantes, empreendedores, governantes e outros atores. Que não tenhamos um “turismo do fim do mundo”, mas o fim do turismo que contribui para findá-lo.

Seca na Amazônia

Seca na Amazônia em 2024 | Foto: Bruno Kelly/Reuters

Mudanças humanas pelo clima – propondo um novo caminho

Apesar de muitas discussões sobre as mudanças climáticas terminarem de maneira pessimista, este não é o intuito deste texto. Em tempos de ecoansiedade e da exaustão dos próprios cientistas climáticos, precisamos superar as previsões apocalípticas do fim do mundo e não nos paralisar pelo cenário desanimador. Como diz a pesquisadora e escritora, Hannah Ritchie: “O problema do pessimismo catastrófico […] é a ideia de que é tarde demais para fazer algo a respeito”.

O caminho para reverter o cenário atual é longo e vai exigir um esforço coletivo, mas a humanidade já se mostrou capaz de fazer isso. Em algumas décadas, conseguiremos recuperar a camada de ozônio através de um trabalho em conjunto, iniciado na década de 90, que uniu governos, cientistas, indústria e a sociedade civil para reduzir o uso dos CFCs (Clorofluorocarbonetos).

Neste mês, também tivemos boas notícias no cenário brasileiro: em 2023, o país teve a maior queda nas emissões de gases poluentes nos últimos 15 anos graças, principalmente, à redução no desmatamento na Amazônia. Apesar de a redução ter sido de 12% em relação ao ano anterior e do país ainda ser o 5º maior emissor de gases poluentes, são números que nos aproximam da nossa meta de -48% até 2025 e -53% de emissões até 2030.

Não precisamos de soluções tecnológicas mirabolantes ou esperar que quem “criou o problema” o resolva. Podemos pegar um atalho nesse percurso e aprender com os povos originários, nos inspirar (e somar forças) nas propostas das periferias e, principalmente, cobrar políticas públicas de transição energética e justiça ambiental.

+ Mais:

🍀 PROGRAME SUA VIAGEM COM A GENTE! 🍀

Cada vez que você fizer uma reserva com nossos parceiros clicando em um dos links abaixo você apoia o Viajar Verde e ajuda a manter nossa página no ar. E o melhor: você não paga nada a mais por isso! Obrigada pelo apoio! 😉

🏡 HOSPEDAGEM: Booking.com

👭 WORK EXCHANGE E VOLUNTARIADO: Worldpackers

💻 CURSOS DE VIAGEM E NOMADISMO DIGITAL: Worldpackers Academy

🌐 SEGURO VIAGEM: Seguros Promo

🚣 TOURS E PASSEIOS: Get Your Guide

🧳 ALUGUEL DE MALAS: Get Malas

📱CHIP INTERNACIONAL DE CELULAR: Viaje Conectado

Gostou desse conteúdo? Então compartilhe!

Sobre o Autor

Lucas Oliveira

Turismólogo, mineiro e interessado pelas formas alternativas de vi(ver) a vida. Seguindo o caminho do turismo responsável, à procura de palavras, experiências e conexões transformadoras.

Skip to content