Enchentes devastadoras, estiagens extremas, calor acima da média… As mudanças climáticas são sequelas das ações insustentáveis do ser humano. Além de comprometer a biodiversidade do planeta, esse desequilíbrio coloca em risco culturas e populações profundamente vulneráveis a essas alterações, como as comunidades tradicionais e pequenos produtores. Atores indispensáveis para o turismo e para a conservação do meio ambiente, essas populações são as que menos contribuem para a crise climática e as que mais sofrem com os impactos das catástrofes. Ao invés de promovermos um “turismo do fim do mundo”, que tal propormos um turismo que contribua para a justiça climática e para a proteção do nosso planeta?
Cortina de fumaça
Nas reportagens que anunciam as tragédias climáticas, é comum encontrarmos frases como “enchentes mataram dezenas” ou “fumaça causa internações”. O problema de tornarmos os desastres ambientais sujeitos destas orações é que, ao fazê-lo, estamos encobrindo seu verdadeiro causador — o ser humano. Por trás da péssima qualidade do ar, por exemplo, existem incêndios criminosos e o nível de destruição das chuvas extremas também é condicionado pelo nosso projeto de urbanização que, além de alterar o curso natural dos rios e impermeabilizar o solo, não prepara as cidades para essas catástrofes.
Para superar o colapso climático, precisamos enfrentar as tentativas de ilusão e distração, como o negacionismo climático, que deslegitima a ciência do clima para manter comportamentos e práticas insustentáveis em prol de interesses econômicos, ou as propostas rasas para solução da destruição ambiental, como a compensação das emissões de carbono da aviação.
Reverter esse cenário também vai exigir um novo olhar para a natureza, novas formas de produção e um outro modelo de sociedade. Para nos inspirar, podemos contar com as populações tradicionais, importantes aliadas na conservação do meio ambiente e na mitigação das mudanças climáticas. Apesar de terem suas contribuições encobertas e até desvalorizadas, essas comunidades também atuam na linha de frente dos desastres ambientais — nos combates às queimadas, por exemplo, mais da metade dos brigadistas do Ibama são indígenas e quilombolas.
Justiça climática – mudanças que afetam o local antes do global
Apesar de as mudanças climáticas afetarem o mundo como um todo, isso não acontece de forma igualitária ou uniforme. Países tropicais como o Brasil, por exemplo, são mais afetados pelas mudanças de temperatura e precipitação do que países da Europa. Crianças e adolescentes, principalmente as que vivem em situação de maior vulnerabilidade, além de terem seus direitos fundamentais ameaçados, são as que mais sofrem o fardo das mudanças climáticas.
Além dos jovens, as populações negra e periférica, mulheres, camponeses, comunidades tradicionais e pequenos produtores são os grupos que estão mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, mas são os que menos contribuem para a destruição do planeta. Enquanto isso, a população 1% mais rica do mundo emite mais do que o dobro de CO² do que os 50% mais pobres do mundo, segundo o relatório A Desigualdade Mata, da OXFAM. São essas pessoas que colhem os benefícios das atividades que destroem o planeta e causam tantos prejuízos para os grupos menos providos de riquezas.
Usado pela primeira vez na década de 90, como um desdobramento dos movimentos por justiça ambiental, o termo justiça climática busca defender os direitos das populações mais vulneráveis e dividir, de forma justa e igualitária, os custos e impactos das mudanças climáticas. Além disso, a luta por justiça climática também procura garantir que as decisões dessa pauta sejam participativas, transparentes e responsáveis, ouvindo as mulheres e quem mais sofre com a crise, e usando a educação como ferramenta para conscientizar e transformar a sociedade.
Algumas comunidades, como as populações tradicionais, além de ter que lidar com os impactos mais extremos do colapso da Terra, precisam ainda enfrentar a escassez de recursos para conseguir se adaptar às mudanças. Quando dependentes economicamente do turismo, os riscos climáticos podem ameaçar seus meios de subsistência e até a qualidade de vida dessas populações.
Pescadoras do litoral sul baiano, em Belmonte, por exemplo, já se deparam com o desaparecimento, e até morte, de algumas espécies de peixes e o assoreamento do rio. Além de afetar o bolso, já que a pesca é a principal forma de essas mulheres garantirem o seu sustento e de suas famílias, esses problemas também colocam em risco a própria cultura da pesca artesanal, que acumula tradições e saberes ancestrais.
Com o aumento da temperatura média, um dos reflexos das mudanças climáticas, famílias extrativistas na Amazônia estão perdendo suas produções de açaí e castanhas, mesmo dentro de Unidades de Conservação. Uma pesquisa sobre as principais espécies vegetais utilizadas para a subsistência dessas famílias mostrou que, considerando as tendências de emissões de CO², metade das espécies de árvores avaliadas podem desaparecer, se não forem implementadas políticas de mudança climática. O estudo também aponta que, para além da perda da biodiversidade, esse cenário também trará consequências socioeconômicas, como o agravamento da pobreza e o êxodo rural.
No semiárido cearense, onde artesãs da comunidade Muquém de São Pedro transformam a palha da carnaúba em trançado, as alterações nas temperaturas e no período de chuva também vêm causando prejuízos. Com o calor excessivo, a palha fica bem mais frágil e elas precisam produzir em um ritmo mais lento. Já as chuvas fora de época atrapalham a colheita e o processo de secagem do material. As mulheres da comunidade, que possui cerca de 40 famílias, também precisam enfrentar o machismo e o descaso do poder público, lutando por sua independência financeira e por visibilidade.
Ações para um turismo que apoia a justiça climática
A corrida não é para visitarmos lugares que estão prestes a desaparecer (até porque isso pode acelerar ainda mais esse processo), mas para evitar que culturas, modos de vida, biomas, destinos, histórias e pessoas deixem de existir. Ainda estamos longe de um turismo que considera as mudanças climáticas e se propõe a enfrentar as desigualdades que o colapso da Terra vem acentuando, mas este é um diálogo que precisa estar presente.
A organização The Travel Foundation elencou algumas ações que empresas de viagem podem adotar para apoiar a justiça climática no turismo. Entre elas estão:
- Implementar políticas e práticas internas que promovam a justiça climática dentro da organização, como através da contratação de pessoas de grupos mais vulneráveis e do cuidado com o bem-estar da equipe;
- Engajar fornecedores locais e outras iniciativas do setor a adotarem uma cadeia com menor impacto ou que ajude a mitigar as mudanças climáticas (e apoiar os que já fazem isso!);
- Estabelecer parcerias com projetos e comunidades que restauram ecossistemas e promovem ações sustentáveis;
- Desenhar experiências que envolvam turistas em projetos sustentáveis de comunidades marginalizadas;
- Promover, através de suas redes e de outros canais de comunicação, a conscientização dos viajantes.
O turismo depende das pessoas e do meio ambiente, portanto, combater o colapso climático é um dever de moradores, viajantes, empreendedores, governantes e outros atores. Que não tenhamos um “turismo do fim do mundo”, mas o fim do turismo que contribui para findá-lo.
Mudanças humanas pelo clima – propondo um novo caminho
Apesar de muitas discussões sobre as mudanças climáticas terminarem de maneira pessimista, este não é o intuito deste texto. Em tempos de ecoansiedade e da exaustão dos próprios cientistas climáticos, precisamos superar as previsões apocalípticas do fim do mundo e não nos paralisar pelo cenário desanimador. Como diz a pesquisadora e escritora, Hannah Ritchie: “O problema do pessimismo catastrófico […] é a ideia de que é tarde demais para fazer algo a respeito”.
O caminho para reverter o cenário atual é longo e vai exigir um esforço coletivo, mas a humanidade já se mostrou capaz de fazer isso. Em algumas décadas, conseguiremos recuperar a camada de ozônio através de um trabalho em conjunto, iniciado na década de 90, que uniu governos, cientistas, indústria e a sociedade civil para reduzir o uso dos CFCs (Clorofluorocarbonetos).
Neste mês, também tivemos boas notícias no cenário brasileiro: em 2023, o país teve a maior queda nas emissões de gases poluentes nos últimos 15 anos graças, principalmente, à redução no desmatamento na Amazônia. Apesar de a redução ter sido de 12% em relação ao ano anterior e do país ainda ser o 5º maior emissor de gases poluentes, são números que nos aproximam da nossa meta de -48% até 2025 e -53% de emissões até 2030.
Não precisamos de soluções tecnológicas mirabolantes ou esperar que quem “criou o problema” o resolva. Podemos pegar um atalho nesse percurso e aprender com os povos originários, nos inspirar (e somar forças) nas propostas das periferias e, principalmente, cobrar políticas públicas de transição energética e justiça ambiental.
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