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Turismo Sustentável no México – entrevista com Vicente Ferreyra Acosta

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Vicente Ferreyra Acosta, diretor da Sustentur | Foto: Viajar Verde

Em maio deste ano (2017) voltei da minha segunda viagem ao México ainda mais apaixonada por aquele país, depois de participar do Sustainable & Social Tourism Summit e ainda aproveitar algumas das experiências incríveis da Península de Yucatán. É impossível transcrever o tanto que eu vi, aprendi e o tanto que eu acredito que nós, Brasil, América Latina, temos a aprender e compartilhar com o México – pelo menos em se tratando de turismo.

Essa entrevista com Vicente Ferreyra Acosta, diretor da Sustentur, empresa mexicana especializada em turismo sustentável, resume perfeitamente as conquistas e desafios que o país (e principalmente o estado de Quintana Roo) têm alcançado e superado na busca por um turismo mais responsável, inclusivo, equilibrado e benéfico para todos. Nos faz sentir mais próximos, vendo que enfrentamos desafios semelhantes, mas também entender que é possível realizar e descobrir novos caminhos. O que temos a aprender com o país mais visitado da América Latina, não é sobre números, mas sobre cuidado.

Turismo Sustentável no México – entrevista com Vicente Ferreyra Acosta

Viajar Verde – Parece-me que este ano o México está caminhando bastante para o desenvolvimento de um turismo sustentável. Daqui, vejo muita coisa acontecendo. Você acompanha o setor há muito tempo. O que mudou significativamente na mentalidade e nas práticas por um turismo mais sustentável?

Vicente Ferreyra Acosta – Acredito que fizemos progressos no interesse do governo no assunto, embora talvez menos rapidamente do que o necessário. Nos últimos anos, em nível de país, foram geradas uma série de políticas, programas e instrumentos que permitirão assegurar ações de sustentabilidade no turismo a médio prazo, embora que é importante agora seja baixar esses instrumentos para o nível subnacional. Há mais e mais estados que levam a questão a sério, embora ainda haja um longo caminho a percorrer.

Em contrapartida, os setores privado e comunitário têm uma história de alguns anos sobre o assunto; os primeiros, integraram muito bem em suas práticas as diretrizes de sustentabilidade, inicialmente pelo custo-benefício desses programas e, em seguida, por um entendimento de que o mercado está buscando esses tipos de opções cada vez mais, além de garantir o cumprimento da legislação e redução de riscos com tais ações. O turismo comunitário talvez seja o que mais avançou no assunto; existem projetos que são modelos de desenvolvimento para comunidades rurais ou indígenas no México e na América Latina, e lideraram o tema há alguns anos. O desafio agora é replicar esses exemplos em outras partes do país.

VV – E o que é mais urgente mudar nos próximos anos?

Vicente – Eu acredito que duas questões, que afetam não apenas o México, mas muitos destinos no mundo. Primeiro, trabalhar para evitar ou gerenciar a sobre-densificação de destinos; No México, o turismo cresceu entre 8% e 9% anualmente desde 2013, o que levou a problemas em alguns dos destinos tradicionais com capacidades locais. Por isso devemos trabalhar, por um lado, em estratégias de gestão de visitantes em destinos saturados e em um esquema de diversificação de produtos e serviços para que o turismo possa gerar maiores benefícios regionais e não apenas em centros específicos.

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Foto: Cancún Travel

A outra (questão) é envolver mais turistas no conhecimento e na conservação da biodiversidade do país; Seja um turista que visita uma área protegida ou um que chega a um hotel de praia, todos recebem os benefícios desta biodiversidade em termos de água, espaços recreativos, espécies, praias de areia branca, etc. Devemos gerar esquemas que permitam aos turistas se envolverem na conservação, seja diretamente (com interação com flora e fauna, por exemplo, através de passeios de observação de aves) ou indiretamente (por exemplo, doando para a conservação ou comensando suas emissões de viagem).

O México tem a expectativa de alcançar 50 milhões de turistas internacionais nos próximos anos, e isso nos obriga primeiro a pensar em modelos inovadores de gestão, baseados em nos vermos como um todo e não de forma independente (gerenciamento integral de destinos turísticos); e, em segundo lugar, a fazer do turismo uma ferramenta para a conservação de recursos e o benefício daqueles que desses recursos, especialmente comunidades indígenas e rurais.

VV – Cancún e a Riviera Maya são destinos com muitos contrastes em relação à sustentabilidade turística. Os hotéis, as atrações turísticas e o governo já estão bem envolvidos com a questão da sustentabilidade?

Vicente – São destinos que têm sido bem sucedidos com o modelo tradicional de turismo; Juntos, recebem um terço dos turistas que chegam ao México e um quarto das divisas que entram no país no campo do turismo: seu impacto econômico nas contas nacionais, na criação de emprego e no investimento são inegáveis. Mas claro, o crescimento acelerado tem um custo ambiental e social. Curiosamente, esse crescimento acelerado gerou preocupação e ação de diversos grupos da sociedade civil e privados que conseguiram trabalhar juntos em iniciativas transformadoras. Uma delas, a Iniciativa de Turismo do Recife Mesoamericano (MARTI por sua sigla em inglês), conseguiu, desde 2006, que mais de 40 mil quartos de hotel tenham um sistema de gestão de sustentabilidade (embora isso represente 50% da oferta total, então temos que continuar trabalhando), foram desenvolvidos Guias de Construção Sustentável para hotéis na zona costeira, um melhor gerenciamento da água e resíduos gerados na operação, entre muitos outros tópicos.

Durante anos, o governo local desconhecia essas questões. Mas, no último ano, houve um compromisso real para enfrentar os problemas e gerar políticas e programas que potencializem esse trabalho anterior e, estou certo, continuarão a produzir resultados no futuro.

Há sempre áreas de melhoria e o crescimento de novas opções de turismo traz desafios e oportunidades, mas acredito que hoje estamos em um caminho mais responsável do que o de alguns anos atrás. Para dar um exemplo, a grande parte das empresas certificadas por organismos sérios como EarthCheck, estão precisamente nesta zona do país.

VV – O turismo comunitário desponta como uma nova experiência no estado de Quintana Roo, um destino que tradicionalmente não possui esse perfil. Os turistas estão interessados nessas experiências? Como educar ou cativar os turistas que visitam Cancun e a Riviera Maya?

Vicente – Um dos maiores desafios que o turismo teve nessa região do país é gerar impacto local. Até alguns anos atrás, a zona rural do estado estava alheia ao desenvolvimento turístico, já que o modelo de crescimento baseou-se no desenvolvimento do turismo de sol e praia; Nos últimos 10 anos também surgiram iniciativas interessantes, onde a comunidade local aproveita seus recursos naturais e culturais e atrai um turista que procura mais experiências autênticas. Detectamos que existem dois tipos de turistas que consomem produtos comunitários: aqueles que estão começando a identificar a área como um destino que também oferece esses produtos, e um turista mais tradicional que, embora venha para o hotel com tudo incluído, não quer ficar trancado no hotel durante todas as suas férias

Tem sido surpreendente perceber que esses dois tipos de turismo (o de massa e o comunitário) não são excludentes, mas, se bem gerenciados, podem complementar muito bem a oferta de atividades a serem realizadas na região.

VV – Que bons exemplos no turismo sustentável podem Quintana Roo (ou o México) dar ao mundo, e mais especificamente à América Latina?

Vicente – Existem vários muito interessantes, de diferentes pontos de vista. Da parceria privado-social, já mencionei a Iniciativa de Turismo do Recife Mesoamericano, que conseguiu trazer as melhores práticas de operação e desenvolvimento para o setor privado, com foco em proteger um dos ativos mais importantes que temos na área, o Recife Mesoamericano, que é a mais importante barreira de corais do hemisfério ocidental, e a segunda mais importante do mundo, depois apenas da Austrália.

A gestão do turismo em áreas naturais protegidas também tem sido muito exitosa na região; Áreas protegidas como Cozumel, os recifes de Cancun, Isla Mujeres e Puerto Morelos ou a Reserva da Biosfera de Sian Ka’an são modelos que são importantes para conhecer e replicar, já que, apesar das pressões do turismo, conseguiram gerar esquemas com capacidades de carga em lugares específicos, benefícios locais e diversificação de produtos. Especificamente, o caso da cooperativa maia Community Tours Sian Ka’an é um modelo de negócios muito interessante, gerenciado pelos locais, com pequenos grupos e que alcançaram, sem aumentar consideravelmente o número de turistas, aumentar sim os benefícios para a conservação do meio ambiente e para as comunidades da região.

Há também exemplos de desenvolvimentos de grande larga escala que perceberam que o luxo não está lutando com a sustentabilidade; Exemplos como Mayakoba ou Tres Ríos alcançaram desenvolvimentos de alto valor, mas com respeito pelos ecossistemas locais e uma visão de longo prazo.

Em termos de turismo comunitário, o destino Maya Ka’an, que surge desde o início com bases muito fortes de baixo impacto e benefício local, é referência no desenvolvimento do turismo comunitário no México e na América Latina e um exemplo de que outro turismo é possível na região.

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Reserva da Biosfera de Sian Ka’an | Foto: Viajar Verde

VV – Você defende que o setor privado e a academia possam estar mais envolvidos no planejamento e na tomada de decisões e que elas menos dependam menos do Estado. Este é um caminho possível para o turismo no México?

Vicente – Sim. Eu acredito que hoje estamos em um mundo onde o estado tem cada vez menos poder e presença, às vezes para o bem, outras não tanto. É por isso que a gestão multidisciplinar do turismo é necessária para enfrentar os desafios que o setor tem; Nesse sentido, a academia e as organizações da sociedade civil são fundamentais para fornecer ferramentas para o “bem fazer” do turismo, desenvolver modelos, gerar indicadores, monitorar os impactos e influenciar as práticas empresariais e em políticas públicas; O setor privado tem hoje maior abertura para trabalhar com a academia e a sociedade civil, embora seja um assunto em que ainda precisamos trabalhar muito para realmente gerar projetos transformadores.

VV – O que é AMPROTURS e como uma Associação Mexicana de Profissionais em Turismo Sustentável AC fortalece o desenvolvimento do turismo sustentável no México?

Vicente – A Associação Mexicana de Profissionais em Turismo Sustentável AC surge devido à inquietação de um grupo de pessoas que trabalharam por muitos anos com a questão de ter uma figura que nos permita, por um lado, profissionalizar o setor e, por outro lado, alcançar um impacto mais estratégico sobre a sustentabilidade no turismo. Até antes da sua criação, não havia nenhuma organização que pudesse integrar esses profissionais e que permitisse, entre outras coisas, a capacitação contínua, o compartilhamento de experiências, a geração de projetos conjuntos e a reunião especialistas no campo. Sem dúvida, é um passo importante para continuar fortalecendo a questão em nosso país e um modelo que talvez no futuro possamos exportar para outras partes da América Latina.

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Sobre o Autor

Ana Duék

Jornalista de viagens com Mestrado em Gestão de Turismo e Hospitalidade pela Middlesex University (Londres). Desde 2015 defendendo um turismo mais consciente. Acredito que as viagens podem gerar mais impactos positivos para viajantes e para os destinos que nos recebem. Vamos descobrir como?