Uma das minhas paixões de infância era ver os shows de orcas e golfinhos do Sea World. Ficava fascinada e, como tantas outras crianças, guardava o sonho secreto de um dia poder ser a treinadora que salta junto e ganha centenas de beijos dos golfinhos. Foi somente muito mais tarde, ao assistir ao famoso documentário Blackfish, que me dei conta dos absurdos abusos que esses animais sofrem em cativeiro, separados desde cedo de suas mães, obrigados a viver em espaços mínimos cheios de produtos químicos e forçados a performar comportamentos que não são naturais. Embora as notícias não cheguem a nós, as mortes são recorrentes.
Cada vez mais, o turismo com animais e a observação de vida silvestre têm feito parte das nossas viagens, propondo experiências diferentes e inéditas para os viajantes. Mas quais são os impactos dessas atividades? Até que ponto elas são éticas ou estão fazendo mal para os bichos e para a biodiversidade? O que elas representam para nossa segurança? Por anos, o turismo foi explorado como uma atividade de pura realização, satisfação e prazer para o viajante e empresários se aproveitam disso para olhar para os lucros. O turismo de vida silvestre se transformou em uma grande indústria – em alguns casos, com um potencial enorme para resgatar e salvar animais da extinção, regenerar áreas verdes e preservar comunidades; em outros, com um terrível instinto de abuso, ganância e exploração.
Após o documentário, o Sea World anunciou o fim dos shows com orcas e do programa de procriação delas em cativeiro. Mas os golfinhos continuaram sofrendo com a clausura, reprodução e truques obrigatórios. De acordo com o relatório “Por trás do sorriso“, da Proteção Animal Mundial, a indústria bilionária dos delfinários ainda mantém 3.029 golfinhos em cativeiro, em 354 países pelo mundo. A organização explica que, somente pelo stress na hora da captura na natureza, os golfinhos-nariz-de-garrafa já são altamente propensos a morrer e, dos que já estão em cativeiro, nenhum teria chances de sobreviver ao ser devolvido ao mar. No Brasil, os delfinários estão proibidos desde 1987, mas nós somos certamente um dos principais públicos desses atrativos no exterior.
Crueldades do turismo com animais pelo mundo
Orcas e golfinhos são apenas dois dos 550 mil animais silvestres que atualmente vivem em cativeiro e sofrem abusos pelo turismo diariamente. Desse grupo fazem parte tigres e elefantes em falsos santuários, ursos em zoológicos tropicais, aves exóticas em gaiolas, e também botos cercados de gente na Amazônia, tubarões superalimentados em Palau ou dromedários em trabalhos forçados no nordeste. “Muitos animais são retirados da natureza para serem explorados em atividades de entretenimento ou que visam apenas o lucro”, alerta a Proteção Animal Mundial, lembrando que, por trás dos atrativos, pode haver maus-tratos e sofrimento dos animais. Mas também precisamos ficar atentos porque existem situações que não são de cativeiro, onde os animais são estressados, alimentados e abusados na própria natureza.
No relatório “Um foco na crueldade“, a Proteção Animal destacou como o crescimento no número de selfies com animais tem ampliado muito o problema da exploração, principalmente na Amazônia, onde fazem parte de vários passeios os mergulhos com botos e as fotos com bichos-preguiça, tamanduás e macacos. “Usar um animal silvestre como um acessório em uma foto pode causar estresse e sofrimento para ele, pois o priva de sua liberdade e o encoraja a ter contato com seres humanos – o que torna sua sobrevivência na natureza muito mais difícil”, diz a ONG.
Santuários de elefantes responsáveis
Talvez os mais controversos atrativos com animais, além de zoológicos e aquários, sejam os santuários de elefantes na Ásia. Como todos se dizem éticos, são capazes de atrair muitos visitantes que acreditam que estão fazendo uma “boa ação”. Mas a verdade é que há denúncias de condições cruéis em muitos deles, incluindo acorrentamento dos bichos. Se você quiser escolher um santuário de elefante responsável para visitar ou voluntariar, confira a lista que a Proteção Animal Indica.
Zoológicos e aquários
Não há dúvidas de que a maneira mais ética, responsável e talvez também divertida de observar os animais é na natureza, onde eles não estão sofrendo maus tratos nem sendo desviados de seus comportamentos naturais. Mas séculos de exploração fazem com que hoje tenhamos muitos animais em cativeiro, e aí entra o papel de muitos zoológicos, santuários e aquários: no resgate e cuidados com animais que vêm de situações de exploração e na pesquisa com espécies em extinção. Na minha opinião, estes estabelecimentos hoje deveriam limitar-se a essas funções, porque entendo que o papel de educação de crianças, por exemplo, pode ser feito de outra forma, que não precise se apoiar no sofrimento animal.
Como esse é um tema ainda muito novo e controverso, é natural que as opiniões sejam divergentes. Deixo aqui uma série interessante do Blog TurisLife sobre Turismo e Zoológicos para reflexão:
Como ser um viajante amigo dos animais?
Para te ajudar a ser um viajante mais responsável na hora de fazer turismo com animais, separamos algumas dicas importantes, com a colaboração do Guia para se tornar um turista amigo dos animais, desenvolvido pela Proteção Animal Mundial:
🐯 Pesquise e faça perguntas: verifique os lugares que você pretende visitar. Não se iluda com a ideia de que os animais são felizes em confinamento somente porque o dono é “bonzinho” ou porque o espaço onde vivem é agradável. Certifique-se de que seu agente de viagens tenha políticas de bem-estar animal.
🐻 Não interaja com animais silvestres. Atividades de interação, como shows, banhos e fotografias, além de serem estressantes para os bichos podem ser perigosas para nós. Você pode achar incrível postar aquela foto depois, mas imagine quantas fotos aquele bicho não precisou fazer? Do tigre sedado à estrela do mar, todos sofrem com nossas mãos inquietas e perturbadoras.
🐧 Prefira sempre a observação dos animais na natureza, em seu habitat natural e a uma distância segura. Assim você pode observar comportamentos originais e se proteger.
🐊 Não alimente animais silvestres e desconfie de atividades que usam o alimento para atraí-los para perto. Ao alimentar animais você não só está interferindo na dieta natural e saúde dele, como está atrapalhando seu comportamento de caça, desmotivando que busquem seus próprios alimentos.
🐬 Faça compras conscientes. Lembre-se dos tantos produtos que incentivam o comércio de animais e a destruição de ecossistemas, incluindo artesanatos com conchas.
🐘 Alimente-se também da maneira mais responsável possível. Por mais que façam parte da cultura local, pratos com animais silvestres podem representar riscos para nossa saúde, para a extinção de espécies e também maus tratos.
🐿 Converse, alerte, denuncie! Se você viu alguma atividade com animais que achou irresponsável, converse com o organizador e, se preciso, denuncie. Para denunciar maus tratos você pode usar a Linha Verde do IBAMA: 0800 61 8080 | linhaverde.sede@ibama.gov.br | www.ibama.gov.br/denuncias
🦁 Divulgue: conte as suas experiências positivas para família e amigos. Use as mídias sociais para incentivá-los a se informar sobre como podem se tornar turistas amigos dos animais durante as férias.
🐳 Você já visitou algum atrativo com animais e se arrependeu depois? Conta aqui nos comentários pra gente! Se tiver dicas de lugares responsáveis também vamos adorar saber!
Fique atento ao Greenwashing no turismo com animais!
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Confira também essa live da Elaine Villatoro, do Live More Travel More, no nosso movimento #ViajantesResponsáveis com o João Almeida, gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial:
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+ Mais:
Olá Ana Duék, não seria uma idéia também, não comer animais sendo ele de espécie ameaçada ou não?
Olá Rodrigo, claro! Uma ótima ideia! Penso que seria o ideal para todos nós, viajantes ou não! Não sou a favor de nenhum radicalismo e acho que cada um pode fazer até onde é possível, tentando sempre sair da zona de conforto, claro. Acho que o veganismo é um caminho importantíssimo para a sustentabilidade, o bem-estar animal e de todos nós. Não incluí na materinha pois não está no guia, mas acho que é um debate que certamente temos que levantar! 🙂