Viajante Comunitário

Turismo indígena: desafios e oportunidades para os povos originários e viajantes

turismo indígena
Reserva Pataxó Porto do Boi | Foto: Viajar Verde
Escrito por Lucas Oliveira

O Brasil é terra indígena. Por aqui vivem mais de 1,7 milhão de indígenas e, segundo o Censo Demográfico de 2010, são 305 povos e 274 línguas distintas em todo o país. Ainda assim, a população brasileira conhece pouco dessa diversidade cultural e carrega uma visão estereotipada dos povos originários.

Apesar do ensino da história e cultura indígena e afro-brasileira ser obrigatório nas escolas, o (pouco) que aprendemos, muitas vezes, é sob uma perspectiva eurocêntrica e reducionista. Portanto, crescemos com um repertório limitado do que são os povos indígenas brasileiros e da sua importância na formação da nossa cultura.

Em busca de promover essa pluralidade, o turismo indígena vem se consolidando como uma oportunidade de valorização da cultura tradicional e de retomada do protagonismo indígena. Enquanto comunidades encontram uma possibilidade de renda e empoderamento, viajantes podem ampliar sua visão de mundo e se (re)conectar com sua ancestralidade.

O que é turismo indígena?

Antes de falar sobre turismo indígena, precisamos olhar para um contexto maior no qual ele está inserido. O etnoturismo é uma forma de turismo com foco nas comunidades e culturas locais, que vem ganhando destaque graças à procura por viagens mais autênticas e significativas.

Diferentemente do turismo convencional, que torna os moradores locais figurantes nas viagens, o etnoturismo propõe um mergulho nas tradições, nos costumes e no modo de vida da comunidade visitada. O termo “etno” vem da palavra etnia e se refere às características socioculturais compartilhadas por um grupo de pessoas.

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Indígenas da aldeia Pé do Monte, em Porto Seguro, Bahia | Foto: Viajar Verde

O propósito do turismo étnico é valorizar os saberes, as narrativas e as culturas de populações que, historicamente, foram invisibilizadas, como indígenas e a população negra, por exemplo. Seguindo esses princípios, o turismo indígena coloca os povos originários, suas cosmovisões e seus territórios como protagonistas da atividade turística.

No Brasil, existem diferentes propostas de turismo indígena, tanto em função da diversidade de territórios e povos quanto pelo objetivo de cada projeto. Alguns povos vivem isolados e a maior parte na zona rural, mas há comunidades indígenas nas metrópoles, em aldeias urbanas e nas periferias. Encontramos também experiências curtas, que oferecem um bate-volta em aldeias com apresentações e atividades culturais, e propostas mais imersivas, com um tempo maior de permanência e respeitando a rotina da comunidade.

Quais são os desafios do turismo indígena?

Segundo a Future Market Insights (FMI), o mercado global de turismo indígena alcançará 65 bilhões de dólares até 2032. Além da pesquisa mostrar o potencial de crescimento desse segmento, também nos alerta para a grande responsabilidade no desenvolvimento dessa atividade, que envolve grupos e territórios muito sensíveis.

O turismo indígena realizado de forma desordenada pode gerar graves consequências para a população e para o meio ambiente. Comunidades que desenvolvem o turismo como a única atividade econômica, por exemplo, além de se tornarem dependentes da renda turística, estão mais vulneráveis a interrupções inesperadas e à sazonalidade das viagens.

Comunidade indígena Nova Esperança

Comunidade indígena Nova Esperança, da etnia Baré | Foto: Nathália Segato para Braziliando

O turismo desordenado também pode impactar diretamente a cultura de um povo. Existe a possibilidade de a comunidade abandonar as atividades tradicionais, como a confecção de artesanatos e a fabricação de produtos da biodiversidade, em função da maior rentabilidade do turismo. A cultura também pode sofrer descaracterizações devido à influência de agentes externos ou mesmo servir como um espetáculo — quando alguns ritos e tradições são usados apenas para satisfazer turistas.

Ainda, se o turismo não for uma escolha de toda a comunidade e não contar com a participação de todos os moradores, pode causar conflitos sociais e excluir alguns grupos, como mulheres e idosos. Se não houver um controle, monitoramento do impacto e ações de conscientização aos viajantes, também pode causar danos à natureza.

Justamente pensando no futuro, diversas comunidades indígenas encontram no turismo de base comunitária (TBC) um caminho mais sustentável para conciliar o turismo e o modo de vida tradicional. Além de serem protagonistas das vivências, no TBC as comunidades também são responsáveis pelo planejamento e gestão do turismo, favorecendo a distribuição equitativa da renda e a proteção de seus territórios.

Turismo indígena de base comunitária

O turismo comunitário pode ser um forte aliado na proteção, afirmação e uso sustentável dos territórios tradicionais. Dentro de unidades de conservação, por exemplo, o TBC é uma alternativa a atividades econômicas predatórias e ilegais, como o garimpo e a derrubada de árvores.

Além da geração de renda, o turismo comunitário pode promover o respeito, a preservação e valorização das culturas indígenas. Integrado a outras atividades produtivas, como a pesca e a agricultura, e desenvolvido em rede, o TBC é orientado por valores como ética e solidariedade. Enaltecendo os saberes, costumes e o modo de vida tão particular desses povos, o turismo pode contribuir para o sentimento de orgulho e fortalecer o pertencimento. Também traz uma possibilidade de permanência nos territórios tradicionais, reduzindo o êxodo para os centros urbanos.

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Comunidade indígena Rancho Grande, em Oaxaca, México | Foto: Viajar Verde

Do lado dos viajantes, o contato com essas outras formas de viver e de se relacionar com a natureza e com o outro, tem o potencial de inspirar novas referências e estilos de vida. O turismo indígena pode quebrar estereótipos e propor novos padrões — um deles é substituirmos o viver bem pelo bem-viver.

Se bem planejado, o turismo comunitário é uma forma de gerar autonomia e qualidade de vida para os povos originários, promovendo e valorizando a diversidade indígena brasileira.

Turismo pelo Brasil Indígena

Os estados do Amazonas e Bahia concentram quase metade da população indígena brasileira, mas não se engane, em todas as regiões do país é possível encontrar os povos originários. Vem conhecer algumas experiências de turismo indígena!

Amazonas – Amazônia Baré – vivência de turismo de base comunitária em uma aldeia indígena

A Braziliando, um negócio de impacto social com a missão de gerar transformações positivas através de experiências imersivas e sustentáveis, proporciona uma imersão na Floresta Amazônica e no modo de vida do povo Baré, através de atividades culturais e na natureza conduzidas pelos próprios indígenas. Além de se hospedar em uma pousada familiar na aldeia, o viajante poderá navegar de canoa pelo rio, caminhar pela mata e observar a biodiversidade local, saborear as delícias regionais e aprender um prato típico, participar de uma monitoria de artesanato e prosear com quem tem muito conhecimento sobre a floresta e muita história para contar.

Realizada em qualquer época do ano e sem a necessidade de formar um grupo, a experiência convida a uma (re)conexão com a natureza e consigo mesmo, gerando transformações positivas para quem vai e para quem fica.

Bahia – Vivência na Reserva Pataxó Porto do Boi

Outro exemplo de turismo indígena é em Caraíva, na Reserva Pataxó Porto do Boi. A comunidade lidera o turismo na aldeia desde 2004, recebendo diariamente visitantes de vários lugares do Brasil. Entre as atividades que fazem parte do roteiro estão a oficina de pintura corporal, visita à Oca Mãe, palestra sobre a história da comunidade, ritual de purificação e limpeza, degustação de comida tradicional e banho de ervas medicinais.

Os Pataxó desenvolveram a experiência para apresentar as tradições e o modo de vida do povo do mar, mas acreditam que o turismo indígena também trouxe reflexões para a própria comunidade. Tapy Pataxó, uma das responsáveis pelo turismo na comunidade, defende que “[…] é até mesmo um autoaprendizado para cada um pensar sobre a valorização das suas próprias raízes”.

Confira mais detalhes sobre como é a vivência na Reserva Pataxó Porto do Boi, em Caraíva
Reserva Pataxó Porto do Boi

Vivência na Reserva Pataxó Porto do Boi | Foto: Viajar Verde

Paraná – Território Sagrado: Floresta Estadual Metropolitana de Piraquara

Os povos originários também estão no sul do Brasil. Em Piraquara, região metropolitana de Curitiba, a gestão compartilhada de uma unidade de conservação vem permitindo a salvaguarda da cultura indígena, o turismo e a preservação ambiental. Os povos Kaingangue e Guaraní-Nhandewa vivem na Floresta Estadual Metropolitana há dois anos, mas reivindicavam a área desde 2009. Cerca de 11 famílias vivem nessa área preservada de Mata Atlântica, que se tornou uma UC em 1988. Após a retomada, surgiu o Território Sagrado, um espaço de cuidado e perpetuação da cultura indígena.

Recebendo escolas, realizando oficinas e através da venda do artesanato, o grupo realizou a vivência piloto em dezembro de 2022, com atividades na natureza, degustação da comida típica e apresentação dos cantos sagrados. Enquanto as comunidades indígenas contribuem com o reflorestamento e educação ambiental, o Instituto Água e Terra (IAT), órgão ambiental do Paraná, apoia com o fornecimento de mudas e reformas/manutenção estruturais.

Comunidade Indígena da Floresta Estadual Metropolitana, em Piraquara

Comunidade Indígena da Floresta Estadual Metropolitana | Foto: Roberto Dziura Jr_AEN

Turismo indígena: atitudes para formação de novas bases

Nós já deixamos algumas dicas de como ser um viajante consciente ao visitar comunidades indígenas no nosso Instagram, mas nunca é demais reforçar. Estar disposto a rever certezas e ter uma postura mais cuidadosa são atitudes valiosas no turismo indígena (e na vida!).

Vá de coração e mente aberta” é o que a Braziliando orienta a seus viajantes. Esse alerta adianta uma importante atitude para quem deseja conhecer uma aldeia indígena: deixe seus preconceitos em casa. Também é importante evitar fazer julgamentos e relativizar a diversidade cultural, lembrando que observamos pelo nosso ponto de vista.

Os povos originários são muito diversos: só no Brasil são mais de trezentos! Apesar de encontrarmos aspectos em comum entre essas populações, cada uma delas possui sua própria forma de pensar, de se relacionar com a natureza e entre comunidade, de expressar sua cultura. Portanto, entenda que nem todo indígena usa as vestimentas tradicionais no dia a dia, nem toda aldeia é rural e não são todos os povos que vivem isolados.

Atualize seus referenciais: as pessoas indígenas não estão apenas na floresta! Em 2010, o Censo mostrou que pouco mais de 36% dessa população vivia nos centros urbanos, por exemplo. Nas universidades, na política, na música, empreendendo na moda ou mesmo produzindo conteúdo para as redes sociais, indígenas de diversas etnias estão compartilhando sua cultura e ocupando novos espaços. Portanto, busque expandir seu repertório ouvindo, lendo e consumindo as culturas indígenas.

Outra dica é rever alguns termos e expressões pejorativas, como “índio”, “tribo”, “programa de índio” e tantas outras que propagam o racismo e a discriminação contra essa população. Entender a origem dessas palavras e se comprometer em bani-las do seu vocabulário, ajuda a construir relações mais respeitosas e um olhar menos eurocêntrico. Essa atitude também evita situações constrangedoras durante sua viagem.

E, por último, tenha em mente que os povos originários possuem uma relação muito íntima com a natureza e com seus territórios. Quando entrar neste espaço sagrado, procure causar o menor impacto possível, respeitando os saberes e as simbologias que ele carrega.

O turismo indígena pode ser um caminho para rever preconceitos e construir um novo olhar para os povos originários.

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Sobre o Autor

Lucas Oliveira

Turismólogo, mineiro e interessado pelas formas alternativas de vi(ver) a vida. Seguindo o caminho do turismo responsável, à procura de palavras, experiências e conexões transformadoras.

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