Viajante Comunitário

Turismo étnico-afro: quilombos para visitar no Brasil

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Foto: Renata Telles para Plana Vivências
Escrito por Ana Duék

Dentro dos milhares de erros que construímos como uma sociedade estruturalmente racista estão a cegueira para a cultura negra e a história sempre contada pelo olhar do colonizador. Estamos talvez finalmente começando a descobrir que o Brasil (e o mundo) guardam ricas histórias e culturas dos povos negros que negligenciamos durante séculos. Uma das formas mais interessantes de conhecê-las é através do afroturismo, turismo étnico-afro ou turismo afrocentrado, que seriam quase sinônimos para o turismo que está focado na valorização e preservação da cultura e identidade negras. Cada vez mais agências, operadoras, coletivos, plataformas ou iniciativas independentes estão surgindo e se consolidando para fortalecer o movimento do afroturismo e aproximar viajantes da cultura negra.

Entre as diversas possibilidades de roteiros afrocentrados, que incluem visitação a museus, destinos de história negra, sítios arqueológicos, experiências culinárias e espaços religiosos, estão também as vivências em quilombos e a oportunidade de conversas e contato com comunidades remanescentes de quilombos que resistem há séculos em seus territórios.

O que são quilombos?

De acordo com o antropólogo Kabengele Munanga, em Origem e histórico do quilombo na África, “quilombo é seguramente uma palavra originária dos povos de línguas bantu (kilombo, aportuguesado: quilombo)”. “Pelo conteúdo, o quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo africano reconstruído pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de uma outra estrutura política na qual se encontraram todos os oprimidos. Escravizados, revoltados, organizaram-se para fugir das senzalas e das plantações e ocuparam partes de territórios brasileiros não-povoados, geralmente de acesso difícil. Imitando o modelo africano, eles transformaram esses territórios em espécie de campos de iniciação à resistência (…)”.

O Novo Dicionário Banto do Brasil, de Nei Lopes, coloca o quilombo como: “(1) Aldeamento de escravos fugidos. (2) Folguedo popular alagoano, espécie de dança dramática  (BH). Do Quimbundo Kilombo, acampamento, arraial, povoação, povoado, capital, união, exército”. 

Segundo o Censo de 2022, o Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas distribuídos em 1.696 municípios. A Bahia reúne 29,90% da população quilombola e o Maranhão vem a seguir, com 20,26%. No entanto, muitas destas pessoas ainda lutam pelo direito ao território, ao trabalho digno, à preservação de sua cultura e à inclusão social. A abertura ao turismo tem sido uma das formas que elas têm encontrado para gerar novas oportunidades de emprego e renda e, ao mesmo tempo, promover a valorização e a conscientização a sua cultura.

Indicamos alguns quilombos para visitar no Brasil, onde você vai conhecer mais de perto a cultura afrobrasileira, através dos costumes, culinária, histórias, música, dança, artesanato e outras atividades. Se você tiver outras indicações, deixe para nós lá nos comentários! 😉

Quilombos para visitar no Brasil:

Quilombo do Campinho da Independência – Paraty, Rio de Janeiro:

O Quilombo do Campinho da Independência é o primeiro quilombo reconhecido do estado do Rio de Janeiro e guarda histórias do fim do século XIX. O roteiro etno-ecológico traz uma experiência diferenciada para quem passa pela cidade colonial de Paraty. A comunidade recebe os visitantes com contação de histórias com os mestres Griôs, visita aos núcleos familiares, à casa de farinha, ao viveiro agroflorestal e à casa de artesanato. O restaurante comunitário serve comida típica quilombola com produtos orgânicos. Inserido na Área de Proteção Ambiental Cairuçu, a visita ao quilombo também traz uma oportunidade de contato direto com as belezas da Mata Atlântica.

Quilombo do Campinho da Independência

Encontro da Cultura Negra | Foto: Quilombo do Campinho da Independência

Quilombo da Fazenda – Ubatuba, São Paulo

Cerca de 40 famílias vivem nesse quilombo com mais de 200 anos, situado em uma área preservada de Mata Atlântica no litoral de São Paulo. Ali, elas descobriram que desenvolver o turismo de base comunitária é uma forma de preservar sua cultura e suas terras e também de unir os moradores. Além da culinária típica, as atividades no Quilombo da Fazenda estão divididas em quatro roteiros principais: a Trilha do Jatobá, a Casa de Farinha, a Oficina de Artesanato e a de Agrofloresta. Em todas as vivências, os próprios comunitários guiam e compartilham suas sabedorias e tradições com os visitantes.

Informações: https://www.instagram.com/quilombodafazenda20/ | Tel/Whatsapp: (12) 997649223/ (12) 996727152
turismo em quilombos

Vivência no Quilombo da Fazenda com Plana Vivências

Quilombo Mumbuca – Mateiros, Tocantins (Jalapão)

O povoado quilombola Mumbuca está localizado no município de Mateiros, no Tocantins. O incrível trabalho de artesanato feito com o Capim Dourado, conhecido como o “ouro do Jalapão” e aprendido com os índios Xerente, trouxe emprego, renda e visibilidade para a comunidade, que hoje trabalha também com o turismo. Por estar localizado perto dos principais atrativos do Jalapão, o Mumbuca recebe muitos visitantes que vêm para o almoço e uma passada na loja de artesanato. Mas, se você quiser ter uma experiência realmente imersiva, vale à pena se hospedar por lá.

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Foto: Quilombo Mumbuca

Quilombo Kalunga – Cavalcante, Goiás (Chapada dos Veadeiros)

Com mais de 20 comunidades, o povo Kalunga é o maior grupo de remanescentes quilombolas no Brasil. Eles vivem em uma área de mais de 230 mil hectares protegidos de cerrado em Goiás, dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Morando há 300 anos na região, os Kalunga conhecem como ninguém a Chapada. Muitos se tornam guias. Diversos atrativos, como a famosa cachoeira Santa Bárbara, estão localizados dentro de suas terras. Em algumas comunidades, o turismo acontece com hospedagem e alimentação no próprio quilombo, trilhas, cachoeiras e convivência com os moradores locais.

Quilombo Kalunga

Quilombo Kalunga | Foto: Viajar Verde

Rota dos Quilombos – Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais

A Rota dos Quilombos envolve 12 comunidades quilombolas que estão nos municípios de Berilo, Chapada do Norte e Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha. Ela sugere 10 roteiros diferentes de turismo de base comunitária, mas também realiza vivências e experiências personalizadas. Em parceria, estas comunidades têm preservado suas tradições e descoberto no turismo uma alternativa de emprego e renda.

Quilombo dos Palmares – Serra da Barriga, Alagoas

Ao contrário dos outros quilombos, onde ainda residem moradores, o famoso Quilombo dos Palmares, maior símbolo da resistência negra no Brasil, hoje é somente um Parque Memorial. Mas o peso de sua importância na luta do povo negro no país faz dele um lugar necessário de visitação. Foi o maior e mais duradouro quilombo das Américas e lugar onde viveu Zumbi dos Palmares. Reconstituições das antigas construções e áudios procuram recontar a história da época em que mais de 20 mil negros resistiram às tentativas de invasões e dominações de holandeses e portugueses.

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Foto: Fundação Cultural Palmares

Rota da Liberdade – Recôncavo Baiano, Bahia

O núcleo de Turismo Étnico Rota da Liberdade é formado por representantes das comunidades remanescentes quilombolas de Kaonge, Dendê, Kalembá, Engenho da Ponte e Santiago do Iguape, que estão na região da Baía de Iguape, no município de Cachoeira, a 1h30 de Salvador. Eles oferecem diferentes roteiros pelos quilombos locais, que incluem trilhas e caminhadas ancestrais, e imersão na cultura tradicional, com sabedorias griôs, oficinas de azeite de dendê e farinha, samba de roda e dança quilombola.

Informações: https://www.instagram.com/turismo_rotadaliberdade/ | Tel/Whatsapp: (71) 99607-1452
quilombos Rota da Liberdade

Foto: Rota da Liberdade, Bahia

Grota Quilombola – Mirangaba, Bahia (Chapada Diamantina)

Na região quilombola de Coqueiro, no município de Mirangaba, na Chapada Diamantina, está o projeto de turismo étnico rural Grota Quilombola. As cerca de 100 famílias que vivem ali preservam e transmitem a cultura de seus antepassados. A linda região, reúne atrativos como a Serra das Figuras e as cachoeiras do Gelo e da Zoada. A comunidade oferece trilhas guiadas, além de culinária típica com alimentos orgânicos produzidos pelos moradores, conversas e imersão na cultura e história do povo.

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Ruínas da Igreja das Figuras | Foto: Eugênio Junior – Divulgação Grota Quilombola

Circuito Quilombola do Vale do Ribeira – Vale do Ribeira, São Paulo e Paraná

O Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo e norte do Paraná, é uma das regiões que mais concentra comunidades quilombolas no Brasil. Lá está o Circuito Quilombola do Vale do Ribeira, um roteiro turístico que envolve 7 territórios quilombolas, que reúnem o que há de mais incrível da cultura afrodescendente do sudeste brasileiro. São diversos quilombos para conhecer e cada um tem suas características especiais. O artesanato com palha de banana e a apicultura estão entre as atividades locais e festas religiosas e tradicionais também estão na programação. No quilombo Mandira, onde vivem 25 famílias, a impossibilidade de cultivar a terra trouxe o manejo da ostra como atividade principal.

quilombo

Circuito Quilombola do Vale do Ribeira

Quem leva você para visitar os quilombos?

Lembramos que, além de apoiar diretamente comunidades, incentivar empreendedores negros e indígenas também é uma forma de ser um turista responsável e ainda de exercer o antirracismo. No caso de roteiros de afroturismo, entendemos que é muito importante, senão essencial, escutarmos a história a partir da perspectiva de profissionais, pessoas e guias negros. Em alguns casos, podemos ter pessoas brancas fazendo a ponte entre o turista e a comunidade. Mas fique sempre atento para observar se você teve a oportunidade de escutar quem realmente se conecta com aquela cultura e ancestralidade.

Araribá Turismo e Cultura: uma das entidades responsáveis pela implementação e consolidação do Circuito Quilombola do Vale do Ribeira, a Araribá atua desde 2009 em parceria com comunidades tradicionais em todo o Brasil. É uma agência especializada em turismo de base comunitária, expedições científicas e em viagens culturais e de estudos.

Brafrika: a agência trabalha com viagens em grupo e individuais para diversos destinos e lugares que trazem a história da população negra no Brasil e no mundo. O foco não é especificamente em quilombos, mas, eventualmente, eles podem fazer parte de algum roteiro. É o caso da viagem Maceió e Quilombo dos Palmares, que acontece no feriado de Páscoa, entre 31 de março e 4 de abril de 2021.

Comuni Culturi: ComuniCulturi é uma agência especializada no turismo comunitário, cultural e educativo em Salvador, promovendo o diálogo intercultural, a aprendizagem e a regeneração local-global justa. Acredita no turismo comunitário e cultural como ferramenta para o desenvolvimento sustentável local e para transformar vidas através de experiências autênticas e inspiradoras. Dentre os diversos tours por Salvador e arredores, estão visitas a uma comunidade quilombola na ilha de Itaparica e aos quilombos que fazem parte da Rota da Liberdade. 

Conectando Territórios: voltada para o turismo de base comunitária, a agência foi fundada em 2013 pela profissional Thais Rosa Pinheiro que, desde jovem, esteve envolvida com o turismo em comunidades quilombolas. Atuando principalmente no Rio de Janeiro, ela desenvolve experiências não só em quilombos e outras comunidades, mas também roteiros de afroturismo pela capital fluminense.

Nzinga Turismo: é a operadora oficial que assessora a REDETUR – Rede de Apoio Integrado ao Turismo de Base Comunitária na Rota dos Quilombos. Idealizada pela turismóloga Luciana Priscila do Carmo, a Nzinga está sediada em Belo Horizonte e trabalha com roteiros de experiência e turismo responsável idealizados em parceria com várias comunidades no estado de Minas Gerais.

Plana Vivências: a Plana é um empreendimento social que tem como propósito estimular a valorização cultural e a geração de renda nas comunidades tradicionais através do Turismo de Experiência. Em parceria com as comunidades, as turismólogas Liliane Jacintho e Samantha Mazzolini, desenvolvem vivências únicas que valorizam os saberes e a história daquelas pessoas.

Rota da Liberdade: é um programa cultural e turístico que mapeia os passos dos negros africanos e seus descendentes na construção da sociedade de cultura do Vale do Paraíba, Litoral Norte de São Paulo e Serra da Mantiqueira. Criada pela técnica em turismo e licenciada em história, Solange Barbosa, a Rota da Liberdade trabalha com diversos roteiros e experiências de turismo afrocentrado no estado de São Paulo, incluindo vivências em quilombos.

Samaúma Viagens: a Samaúma é um negócio social criado com o objetivo de estimular o turismo sustentável e promover a valorização do Brasil e, sobretudo, dos brasileiros. É um coletivo de pessoas apaixonadas por culturas brasileiras, que acredita que o turismo pode ser uma força de mudança positiva em nossas vidas, assim como uma estratégia de promoção de desenvolvimento local. Entre os roteiros com vivências em algumas comunidades tradicionais da região sudeste, estão visitações ao Quilombo do Campinho e ao Quilombo da Fazenda.

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Sobre o Autor

Ana Duék

Jornalista de viagens com Mestrado em Gestão de Turismo e Hospitalidade pela Middlesex University (Londres). Desde 2015 defendendo um turismo mais consciente. Acredito que as viagens podem gerar mais impactos positivos para viajantes e para os destinos que nos recebem. Vamos descobrir como?

2 Comments

    • Olá Juliane! Parece que SC tem mais de 16 comunidades remanescentes de quilombo. Não sei quantas estão abertas ao turismo. Vou tentar descobrir! No ano passado visitei o Morro do Fortunato, em Garopaba. Mas preciso descobrir como faz para agendar :/ Te retorno! 🙂