Talvez você ainda não tenha ouvido falar no termo “rewilding”, mas certamente já viu iniciativas de preservação ambiental focadas em restaurar ecossistemas e áreas verdes que já foram degradados. Cada vez mais, as pessoas têm entendido a importância não só de sustentar o planeta que temos agora para o futuro, mas a necessidade de regenerar o que já destruímos. Manter o equilíbrio da biodiversidade é essencial para a nossa sobrevivência e está aí o grande foco do rewilding.
Com iniciativas de conservação ambiental se multiplicando, o turismo vem se tornando um importante aliado, não só como fonte de renda para manter projetos de preservação, mas também como importante vetor de conscientização e envolvimento de pessoas e comunidades. Os princípios de restauração de ecossistemas e redução das mudanças climáticas do rewilding também combinam perfeitamente com a necessidade do setor de turismo, grande responsável pelo esgotamento de recursos naturais e altas emissões de gases poluentes, se comprometer com ações efetivas para reduzir seus impactos negativos.
Há algum tempo, iniciativas pelo mundo têm articulado com sucesso o rewilding com o ecoturismo. Mas, em tempos de pandemia, essa combinação está ganhando mais força e novos adeptos. Junto com a proposta do Turismo Regenerativo, o rewilding parece ser o novo caminho de tendência para um turismo mais responsável.
Mas o que é rewilding?
Rewilding é uma forma de conservação ambiental e restauração ecológica que se propõe a aumentar a biodiversidade, criar ambientes autossustentáveis e mitigar as mudanças climáticas. Através da reintrodução de espécies ameaçadas ou em extinção em ambientes naturais, o rewilding busca restaurar processos naturais, criando conectividade entre essas áreas através de corredores verdes. Mais especificamente, o rewilding está focado em trabalhar com animais no alto da cadeia alimentar, como predadores de ponta e grandes herbívoros, uma vez que eles influenciam no equilíbrio das demais espécies e de toda a biodiversidade.
O termo rewilding foi definido academicamente em 1998 pelos biólogos conservacionistas americanos Michael Soulé e Reed Noss, como uma abordagem focada em “núcleos, corredores e carnívoros”. A partir de então, a ideia de evoluiu em várias direções diferentes.
Em geral, o trabalho de rewilding se dá a partir de duas importantes intervenções humanas: na remoção de barreiras que impedem a natureza de prosperar (isso inclui estruturas físicas, construções ou até mesmo o desmatamento); e na reintrodução de importantes espécies em seus habitats.
Como o rewilding e o turismo podem se aliar?
Já temos comprovação que a visitação turística, se responsavelmente gerenciada, é uma ótima oportunidade de incentivar a preservação de destinos e ecossistemas. Além de gerar renda para ajudar a manter projetos de conservação, é um dos melhores caminhos para ampliar a conscientização de visitantes e moradores locais sobre o assunto, já que os turistas e comunidades se envolvem de perto com a natureza ameaçada. O mesmo vale para projetos de rewilding, que têm sido cada vez mais conectados com o turismo, ou, muitas vezes, já nascem junto com a proposta do hotel ou atrativo turístico.
Mais do que o compromisso necessário que o turismo precisa assumir com seus impactos na natureza e na regeneração do que a atividade já degradou e ainda destrói diariamente, o rewilding também traz um retorno positivo para o próprio turismo, uma vez que incentiva a criação de mais áreas verdes e multiplica a presença de espécies de interesse para os viajantes. São ganhos para os dois lados!
A organização Rewilding Europe foi criada há 10 anos com o objetivo de trazer a natureza de volta ao continente e parte importante de seu trabalho envolve a criação de oportunidades de ecoturismo em torno dos projetos. Para atrair mais visitantes para áreas remotas da Europa e criar empregos em comunidades locais, a Rewilding Europe tem um programa de treinamento que capacita guias de turismo sobre o tema. Em 2017, a organização fundou a European Safari Company, uma agência de viagens que leva turistas para visitar seus projetos de rewilding em vários países. Atualmente já são 40 pacotes de safári, incluindo a procura por bisões no Delta do Oder, na Polônia, e a observação de ursos na Croácia.
A operadora de ecoturismo chilena BirdsChile, membro da Adventure Travel Trade Association e empresa B, também acaba de anunciar sua imersão no movimento. De acordo com o co-fundador, Raffaele Di Biase, a nova Rewild Chile “é o resultado de um trabalho que começou em 2016, já que abordamos o rewilding não apenas de uma perspectiva ecológica, mas também como objetivo de impacto para a indústria de viagens”. Raffaele explica como a empresa vai trabalhar: “vamos distribuir o trabalho de rewilding e retribuição (giving back) por nossas várias experiências, mas também ofereceremos aos clientes a possibilidade de escolherem roteiros totalmente baseados em experiências de rewilding em diferentes regiões do Chile”.
Exemplos pioneiros de rewilding no Brasil
Em 2011, quando lançou o Onçafari, o ex-piloto de Fórmula 1, Mário Haberfeld, já tinha em mente a importância de aliar ecoturismo e preservação de espécies. Depois de viajar o mundo em busca dos mais diferentes animais, Mário se deparou com a difícil tarefa de encontrar uma onça-pintada no Pantanal. Ele entendeu que era preciso trabalhar na preservação e também na habituação das onças com os carros e visitantes. Assim nasceu o projeto, que deu seus primeiros passos em parceria com o Refúgio Ecológico Caiman, no Pantanal.
“O Onçafari foi fundado com o objetivo de estimular o ecoturismo no Brasil. Antes do Onçafari, as onças eram vistas de 3 a 4 vezes por ano na Caiman. Hoje em dia são mais de 900 avistamentos por ano e cerca de 98% dos hóspedes que visitaram a gente nos últimos anos conseguiram ver uma onça na natureza”, comemora Mário. Além do trabalho com a habituação do maior felino das Américas, a associação foi crescendo e passou a atuar também com reintrodução de espécies, pesquisa, educação e a preservação de florestas, levando a mensagem de conservação para dentro e fora do Brasil. Hoje, outras espécies, como o lobo-guará e a onça-parda, também recebem os cuidados do Onçafari, que já expandiu sua atuação para o Cerrado, Amazônia e até a Argentina.
O criador do Onçafari também lembra que o ecoturismo é essencial não só para a conscientização, como também na geração de renda para a manutenção do projeto e para a economia da região como um todo: “nos primeiros 10 anos de Onçafari a ocupação na Caiman cresceu em 300%. Isso é bom para os animais, que passam a ser vistos como fonte de recursos, e não como ameaças para a pecuária; e também podemos imaginar quantos novos empregos foram criados, destacando principalmente a inserção das mulheres, que hoje são 60% dos colaboradores do hotel”.
A muitos quilômetros do Pantanal, em Minas Gerais, a Comuna do Ibitipoca também leva a sério bandeira e as iniciativas de rewilding desde 1984. A Comuna nasceu justamente com o objetivo de regenerar uma área degradada de 5 mil hectares, que havia se tornado uma fazenda. Com o passar dos anos, a iniciativa passou a trabalhar a integração do ser humano com a natureza e voltou-se também para o turismo. Hoje, com 99% da área voltada para a regeneração da Mata Atlântica nativa, a Comuna dedica também um espaço para experiências diferenciadas de hospedagem. Em mais de 30 anos de trabalhos de recuperação de matas e preservação de espécies nativas animais, um dos destaques das ações da Comuna é a reintrodução e ressocialização de muriquis, o maior primata não-humano das Américas. Quem visita e se hospeda por lá tem a chance não só de aproveitar os encantos do contato com a natureza, mas também de apoiar a continuidade das iniciativas de conservação.
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