Nos últimos anos, o Turismo Sustentável vem se tornando pré-requisito para as viagens de muitas pessoas, que estão mais conscientes sobre a importância dos impactos negativos e positivos que geram para o planeta e a urgência de regenerá-lo. De acordo com o Relatório Booking.com de Viagens Sustentáveis 2022, 71% dos viajantes mundiais buscam fazer viagens mais sustentáveis e 57% dos brasileiros indicaram que procuram ativamente por informações sobre as práticas de sustentabilidade de um hotel antes de fazer uma reserva. Acompanhando este movimento, muitas empresas de viagem, hospedagens e destinos também vêm investindo em ações pela sustentabilidade e regeneração. No entanto, apesar de muitas destas iniciativas serem genuínas, elas seguem acompanhadas de um número cada vez maior de propagandas e promoções falsas que impulsionam o greenwashing no turismo.
Enquanto algumas empresas nasceram ou agregaram o propósito da sustentabilidade na sua cultura ao longo dos anos, outras tantas se aproveitam das ferramentas do marketing e da comunicação para criar a falsa imagem de um negócio responsável e atrair consumidores e investidores que priorizam as práticas conscientes. Ao mesmo tempo em que capitalizam em cima das boas intenções das pessoas, essas empresas contribuem para a perpetuação de um turismo insustentável, que gera altos índices de emissões de gases de efeito estufa, incentiva o desmatamento, cria destinos inóspitos para os moradores locais, entre outros impactos negativos camuflados pela falsa propaganda. Além disso, desviam o dinheiro que o turista poderia estar deixando em organizações e empresas que fazem um trabalho honesto e de impactos positivos e colocam em risco a credibilidade de produtos e serviços que são efetivamente sustentáveis.
Vamos refletir aqui sobre o que podemos fazer para fugirmos do crescente greenwashing no turismo?
O que é o greenwashing no turismo?
O termo greenwashing pode ser traduzido para o português como “lavagem ou banho verde” e vem da ideia de darmos uma roupagem verde, ou ecológica, a produtos e empresas que estão bem distantes deste propósito. Ele nada mais é do que uma estratégia ou ferramenta de marketing onde a empresa usa seus canais de comunicação para promover a imagem de um negócio sustentável quando, no fundo, não faz nada ou faz muito pouco a esse respeito. O greenwashing pode ocorrer através de selos, prêmios, comunicações em sites, redes sociais, publicidades, newsletters e até mesmo em relatórios de sustentabilidade.
Embora tenha ganhado fama em outros setores, o termo foi criado justamente dentro do turismo pelo ambientalista norte-americano Jay Westervelt, que narrou, em um ensaio de 1986, as falsas alegações de práticas sustentáveis dentro da hotelaria. A inspiração veio de um hotel que Westervelt visitou em Fiji e que deixava recados para os hóspedes reutilizarem as toalhas, convidando-os a protegerem juntos o meio ambiente. Enquanto isso, o hotel estava expandindo sua construção e destruindo a área natural ao seu redor. Quase 40 anos depois, situações similares continuam acontecendo em milhares de hotéis pelo mundo.
A ClientEarth define o greenwashing corporativo como “o uso de publicidade e mensagens públicas para aparecer mais amigável ao clima e ambientalmente sustentável do que realmente é”. Mas é importante lembrarmos que o greenwashing pode estar presente não apenas em empresas, mas também em organizações, destinos e até indivíduos. Além disso, embora antiético, em muitos casos ele pode não ser uma prática ilegal, já que as empresas encontram “brechas” e oportunidades dentro das leis para usá-lo.
Greenwashing é propaganda enganosa e pode causar mais danos do que imaginamos, começando pela descrença generalizada das pessoas em relação à sustentabilidade.
Por que as empresas fazem greenwashing?
Muitas vezes o greenwashing acontece como resultado da falta de informação ou de interpretações erradas. Mas essa não é uma desculpa aceitável em um momento em que as informações sobre sustentabilidade, ESG (Ambiental, Social e Governança), diversidade e inclusão estão amplamente disponíveis para muitos de nós. O que podemos perceber, portanto, é que a maioria dos casos de greenwashing no turismo vem de má-fé ou de escolhas deliberadas por interpretações simplistas sobre o que é sustentabilidade.
Há décadas o greenwashing funciona como uma estratégia de marketing para melhorar e fortalecer a imagem da empresa e, com o aumento da procura por empresas responsáveis que apoiam causas importantes, ele só aumenta. Hoje, além de repercutir positivamente entre consumidores e viajantes, uma empresa sustentável conquista investidores, parceiros, a cadeia de valor e até mesmo os funcionários. De acordo com uma pesquisa recente da Accenture, 88% dos brasileiros com idades entre 15 e 39 anos pretendem trabalhar na economia verde nos próximos 10 anos.
Que tipos de greenwashing podemos encontrar?
De acordo com o relatório The Greenwashing Hydra, lançado pela Planet Tracker em janeiro de 2023, as estratégias de greenwashing estão cada vez mais sofisticadas e existem hoje seis “tipos de greenwashings” corporativos:
- Greencrowding: baseia-se na crença de que você pode se esconder no meio da “multidão” para evitar ser descoberto. Acontece quando empresas se reúnem em grupos e associações e conseguem apresentar números consideráveis quando estão juntas. Avaliando mais a fundo, porém, é possível ver que pouquíssimo está sendo feito individualmente.
- Greenlighting: ocorre quando as comunicações da empresa destacam uma pequena característica responsável em suas operações ou produtos a fim de desviar a atenção das outras tantas atividades prejudiciais ao meio ambiente e às pessoas.
- Greenshifting: quando as empresas insinuam que o consumidor é o culpado e colocam nele a responsabilidade por mudanças.
- Greenlabeling: prática em que os profissionais de marketing rotulam alguma prática ou iniciativa como verde ou sustentável, usando termos como bio, orgânico, eco, natural, mas um exame mais atento revela que as palavras são enganosas.
- Greenrinsing: refere-se a quando uma empresa muda e reduz regularmente suas metas ESG antes que elas sejam alcançadas. A prática teve início com empresas que estabeleceram metas ambiciosas, mas não conseguiram alcançá-las.
- Greenhushing: quando equipes de gestão corporativa subnotificam ou ocultam suas credenciais de sustentabilidade para evitar o escrutínio dos investidores ou consumidores.
O importante é entendermos que, assim como o greenwashing, a consciência das pessoas também evoluiu. Mais do que nunca, muitas empresas estão sendo identificadas e punidas por práticas de marketing enganosas. No ano passado, o ator Edward Norton criticou abertamente o greenwashing por parte das empresas de viagens e do turismo de luxo “não sustentável” durante a 22ª cúpula do Conselho Mundial de Viagens e Turismo em Riade, na Arábia Saudita. Na Europa e Reino Unido, empresas aéreas também tiveram anúncios banidos por informações ambíguas em relação às suas ações pelo meio ambiente.
Como identificar e evitar o greenwashing no turismo?
Mesmo que estejamos sempre atentos para evitar o greenwashing no turismo, muitas vezes ele pode ser bem difícil de ser identificado. Em algumas situações só temos a oportunidade de perceber que caímos em alegações enganosas quando estamos vivendo a experiência. Outras vezes, nem mesmo após a viagem a verdade vem à tona. Eu mesma já passei por situações em que só descobri que a operadora de turismo ou o hotel não estavam alinhados com meus valores depois que retornei.
Como a sustentabilidade é uma questão complexa que envolve diversos aspectos, há também situações em que é difícil determinar o limite entre a empresa ou destino serem realmente responsáveis ou estarem se vendendo como tal, utilizando uma ou duas práticas de sustentabilidade básicas como argumento. Podemos concordar, por exemplo, que não basta mais um hotel reutilizar toalhas ou usar luzes econômicas para ser sustentável. A reflexão sobre sustentabilidade é longa e podemos pensar que nunca nenhuma empresa ou destino será 100% sustentável. Mas precisamos buscar entender a diferença entre uma empresa que está realmente determinada, adotando práticas de sustentabilidade e regeneração e aquelas que estão fazendo uma ou duas coisas por obrigação.
Confira algumas sugestões para identificar e evitar o greenwashing no turismo:
1. Verifique se há evidências e provas:
Não confie cegamente em empresas que se autodenominam “sustentáveis”, “ecológicas”, “amigas do meio ambiente”, “conscientes”, “carbono neutro”, “justas”, “antirracistas”, entre outros rótulos. Por trás destas declarações superficiais precisamos ver ações. Uma empresa realmente responsável, em geral, vai usar seus canais de comunicação para também explicar como são suas ações e o que realmente estão fazendo pelas pessoas e pelo planeta. Por outro lado, se tiverem algo a esconder, a linguagem será vaga e sem exemplos reais.
Ser carbono neutro, por exemplo, não significa que a empresa está gerando impactos positivos. Ela pode estar apenas compensando suas emissões sem sequer se dar ao trabalho de pensar em formas de reduzi-las. Da mesma forma, lembre-se sempre que uma empresa ou destino que adota práticas para preservar ou regenerar o meio ambiente pode não ter o mesmo cuidado com as pessoas. Esteja atenta (o) a argumentos irrelevantes e evidências que provem o contrário.
2. Avalie a transparência das informações:
Empresas éticas também têm buscado oferecer informações mais acessíveis e fáceis de interpretar em relação às suas práticas. Esse é um aspecto importante no marketing de sustentabilidade com o objetivo de conscientizar, educar e aproximar as pessoas. Portanto, desconfie se as comunicações forem muito complexas e difíceis de entender. As empresas responsáveis normalmente também são transparentes em relação às suas fraquezas e ao que ainda precisam resolver. Esta é uma boa dica para identificá-las.
3. Faça perguntas – antes e durante a viagem:
Quando as informações não são objetivas e transparentes, fazer perguntas é certamente uma das melhores formas de comprovarmos as intenções e práticas de uma empresa. Mesmo que nem sempre te digam a verdade, é mais fácil identificar discursos duvidosos se a pessoa não se preparou previamente para isso. Precisamos romper o tabu de perguntarmos o que o hotel faz para reduzir plásticos descartáveis com a mesma tranquilidade que perguntamos o preço da diária.
Veja algumas perguntas que você pode fazer, dependendo da situação:
– A empresa reinveste parte do lucro em iniciativas que beneficiam as comunidades onde atua?
– Apoiam algum projeto social ou educacional?
– Como fazem com a gestão do lixo? Vocês reciclam e compostam?
– Fazem algum trabalho para a redução de desperdícios na cozinha?
– O que acontece com as águas cinzas/esgoto? Como é o tratamento?
– Apoiam atividades que exploram turismo com animais em cativeiro? Quais são as condições destes animais?
– Existem profissionais negros, mulheres e LGBTQIA+ em cargos de liderança? Ou estão fazendo algo para isso?
– Fornecem informações verdadeiras aos viajantes sobre o destino e que valorizam a cultura local?
– Promovem atividades que conectam os viajantes com as comunidades locais de forma responsável e geram impactos positivos para os moradores?
4. Considere a quantidade e impacto das ações:
Conforme comentei acima, a sustentabilidade engloba uma série de fatores, do trabalho digno ao respeito e valorização de culturas. Não basta economizar água ou plantar árvores. Uma empresa consciente precisa ter uma estratégia de sustentabilidade global, que abranja diversas práticas. Portanto, não se deixe convencer por uma única ação. Também é importante pensar se essas ações são mensuráveis e os impactos realmente visíveis.
5. Confira as certificações, premiações e selos, mas não confie de olhos fechados!
Selos e certificações são sim um bom começo para identificarmos empresas que investem na sustentabilidade. Eles são um norte e muitos deles funcionam de forma séria. Mas precisamos ficar atentos e denunciar aqueles que não passam de greenwashing. Essa é uma boa forma de fazermos com que apenas as certificações de confiança prevaleçam.
De acordo com Randy Durband, CEO do Global Sustainable Tourism Council (GSTC), “se uma empresa tem um logotipo gigante que afirma ser ecologicamente correta e sustentável, pare para questionar”. De acordo com o GSTC, hoje existem mais de 180 tipos de certificações e selos de sustentabilidade conectados ao turismo e as qualidades delas são as mais diversas. Um bom caminho é começar pelos selos que são acreditados pelo GSTC. Entre os selos globalmente reconhecidos que certificam empresas de turismo e destinos estão o EarthCheck, Biosphere Tourism, Sistema B, Green Destinations, Green Globe, Travelife e TourCert.
A mesma desconfiança vale para prêmios de sustentabilidade no turismo. Questione sempre. Nem toda empresa premiada é realmente sustentável.
6. Continue atenta (o) durante a viagem
Ainda que você não tenha encontrado evidências e informações suficientes que comprovem o perfil sustentável da empresa antes de viajar, a viagem pode ser o momento ideal para sanar suas dúvidas. Esteja sempre atenta (o) ao uso excessivo de plásticos, como se comportam em relação à comunidade local, se o discurso dos funcionários e guias permanece alinhado com as ações que prometeram.
Os sete pecados do greenwashing:
Em 2007, a empresa de marketing TerraChoice identificou os sete pecados do greenwashing. Eles incluem:
- O pecado da troca oculta: quando a marca promove uma prática supostamente sustentável, mas que na realidade não é a melhor alternativa. É o caso do uso de latas de alumínio ou garrafas de vidro ou papel que vem de áreas de reflorestamento.
- O pecado da ausência de provas: cometido quando reivindicações ambientais são feitas sem nenhuma evidência confiável para apoiá-las.
- O pecado da vagueza e imprecisão: uso de alegações e palavras que são amplas, vagas e não claramente definidas, e que, consequentemente, podem ser mal compreendidas pelos consumidores.
- O pecado de valorizar rótulos falsos: quando a empresa cria rótulos, denominações ou imagens visuais que sugerem que o produto foi certificado por terceiros – quando foi ela mesma quem criou a “certificação”.
- O pecado da irrelevância: reivindicações ambientais que podem ser verdadeiras, mas não têm nenhuma importância, simplesmente por serem irrelevantes.
- O pecado do menor de dois males: a tentativa fazer o consumidor acreditar que está comprando um produto que faz menos mal para si mesmo e para o planeta do que outro, mas que também tem impactos negativos.
- O pecado da mentira: quando ocorrem alegações que são literalmente falsas e mentirosas.
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