Confesso que sempre prestei pouca atenção no interior de São Paulo. Mas, cada vez mais, me convenço de que há um mundo de descobertas e aventuras pelo estado. Foi assim com Brotas e Socorro e, mais recentemente, com o Vale do Ribeira. Não esperava muito da viagem, já que sabia pouco da região e não tive tempo de me informar com calma. Talvez tenha sido força do destino, que queria me entregar uma experiência mágica e surpreendente. E assim foi!
Conto aqui um pouco da minha experiência com dicas de lugares bem especiais para visitar no Vale do Ribeira. Mas deixo a sugestão: muitos destes destinos merecem uma viagem exclusiva, dedicada a cada um deles. São vários motivos para você voltar!
O que é o Vale do Ribeira?
A região do Vale do Ribeira ocupa o sul do estado de São Paulo e o norte do Paraná, englobando 29 municípios – 22 municípios paulistas e 7 paranaenses. Em São Paulo, representa uma área de 16.681 km², com cerca de 340 mil habitantes que vivem hoje, principalmente, da agricultura e da pesca. O turismo vem crescendo como fonte alternativa de renda e também de preservação ambiental e cultural.
A riqueza do Vale do Ribeira está principalmente na sua biodiversidade, na história e nos saberes dos povos tradicionais. A região abriga a maior faixa contínua de Mata Atlântica do país (mais de 20% dos remanescentes de Mata Atlântica do Brasil), além do maior conjunto de áreas protegidas de São Paulo. Ali habitam cerca de 80 comunidades caiçaras (na faixa de litoral conhecida como Lagamar), além de indígenas Guarani e mais de 30 comunidades quilombolas – algumas delas pioneiras no desenvolvimento do turismo comunitário no estado.
Em 2019, o governo de SP lançou um programa de incentivo para geração de renda, emprego e qualidade de vida no Vale do Ribeira, considerada a região mais pobre do estado. O turismo faz parte desta iniciativa, que vem contribuindo para diversificar a oferta de acomodações, atividades, restaurantes, infraestrutura e rotas turísticas. É em São Paulo que vamos permanecer durante a viagem por esse texto.
Como chegar no Vale do Ribeira?
A BR-116, ou Via Dutra, é a principal rodovia de acesso ao Vale do Ribeira, saindo da capital paulista. De carro, em cerca de 3h no máximo, você está na cidade de Registro, que é uma ótima opção para começar o circuito. Também é possível sair de Curitiba, onde a distância para os municípios mais ao sul é menor.
A biodiversidade do Vale do Ribeira
Uma das reflexões mais importantes da viagem foi levantada pela guia Amanda Selivon: “por que falamos tanto em visitar a Amazônia, mas não pensamos em visitar a Mata Atlântica?”. Do bioma que ocupava mais de 1,3 milhões de km² em 17 estados do Brasil, hoje só restam 29%. Ainda assim, a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (a maior reserva do planeta) é riquíssima, reunindo mais de 10 mil espécies entre fauna e flora declaradas. Além de bromélias, begônias, orquídeas, ipês, jacarandás, imbaúbas e palmeiras juçaras, ali vivem animais ameaçados, como o mico-leão-dourado, o bugio, tamanduá-bandeira, tatu-canastra, mono-carvoeiro, lontra, anta, onça-pintada e a jaguatirica. Para quem ama a natureza, é um “prato cheio”.
A Grande Reserva da Mata Atlântica
A maior faixa contínua de Mata Atlântica do Brasil ganhou recentemente uma iniciativa coletiva que busca promover o desenvolvimento sustentável da região a partir da conservação ambiental e cultural. A Grande Reserva da Mata Atlântica é uma área de 2.2 milhões de hectares de floresta tropical contínua, que se estende do sul de São Paulo até Santa Catarina, abrigando montanhas, cavernas, cachoeiras, baías, manguezais e praias, além de cidades coloniais, comunidades tradicionais e enorme biodiversidade.
Juntos, os parceiros da Grande Reserva têm atuado para provar que toda essa abundância pode ser a base para estimular a economia e ainda garantir a conservação da natureza. O turismo responsável é um dos principais caminhos para essa conquista.
8 passeios imperdíveis no Vale do Ribeira
1. Registro, capital brasileira do chá:
Nossa primeira parada foi em Registro, conhecida como a Capital do Vale do Ribeira e também a Capital Brasileira do Chá. Ficamos pouco tempo, mas o suficiente para sentir o delicioso clima de cidade tranquila do interior e para entender a relevância da imigração japonesa no local. O município ganhou este nome pois concentrava todos os registros do ouro explorado na região. Registro fica nas margens do Rio Ribeira, que banha todo o Vale até desaguar no mar, através do estuário de Cananéia e Iguape.
À tarde, fizemos uma visita ao incrível Sítio Shimada, onde a reconhecida produção orgânica de chá verde, preto e branco é resultado da aposta visionária da vovó Ume Shimada no resgate da cultura milenar japonesa do chá. A filha, Elizabeth, é quem nos guia pela plantação e explica como colher o chá. Dona Ume, hoje aos 94 anos, já não colhe mais chá (ela trabalhou até os 90 anos!), mas, muitas vezes, acompanha a visita, sempre com o sorriso no rosto. Além de degustar o chá, temos a oportunidade de aprender como funciona a colheita com uma tradicional família de produtores.
2. Cananéia:
Chegamos ao litoral sul de São Paulo, no Pólo Ecoturístico do Lagamar. É hora de colocar o biquíni! Esta cidadezinha incrível, quase na fronteira com o Paraná, famosa pela figura do Bacharel de Cananeia, guarda muitas outras histórias e é tombada como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco. Historiadores dizem que esta é a primeira vila do Brasil, fundada em agosto de 1531. O título teria ficado oficialmente com São Vicente por falta de documentação.
O centro histórico de Cananéia reúne casarões coloridos centenários e a igreja de São João Batista, construída no final do século XVI. Reserve um tempinho para uma caminhada por lá. Afinal, você estará, senão na primeira, na segunda vila construída no Brasil!
A cidade de Cananéia é também o ponto de partida para se alcançar (de barco) a lindíssima Ilha do Cardoso.
3. Parque Estadual da Ilha do Cardoso:
Os grandes encantos da região do Lagamar estão nas ilhas e praias muito preservadas. A Ilha do Cardoso, do outro lado de Cananéia, é um destes paraísos e não pode ficar de fora do roteiro. Com seus mais de 13.500 hectares, e ocupando cerca de 90% da ilha, o Parque Estadual da Ilha do Cardoso protege o destino, que reúne praias, manguezais, restingas e até floresta e cachoeira. O trajeto de barco até a ilha já deixa um gostinho do que vem pela frente. Considerado o terceiro maior estuário do mundo, o Complexo Estaurino-Lagunar de Iguape, Cananéia e Paranaguá abriga a Baía dos Golfinhos e, por ali, é quase impossível passar sem avistar um deles.
Ao desembarcar na ilha (não é possível chegar de carro), somos recebidos pelo tranquilo som da floresta e, infelizmente, por muitas mutucas 😁 Não deixe de levar seu repelente! É hora de realmente desconectar. Há quem diga que a ilha é quase intocada, mas alguns viajantes espertos já encontraram o caminho.
A ilha tem três núcleos: Perequê, Marujá e Ilha da Casca, cada um deles com trilhas e praias diferentes – das mais desertas às mais turísticas. Nós fizemos a Trilha do Manguezal, no núcleo Perequê, que tem um trecho em tablado de madeira sobre o manguezal e nos leva até a Praia do Pereirinha. Mas, para quem tiver mais tempo, vale à pena explorar as outras trilhas.
A Ilha do Cardoso é refúgio para as cinco espécies de tartarugas marinhas da região: tartaruga-cabeçuda, tartaruga-verde, tartaruga-de-pente, tartaruga-de-couro, tartaruga-oliva. Por lá já foram catalogadas quase mil espécies de plantas além de animais ameaçados de extinção, como os macacos bugio e monocarvoeiro, a lontra, o papagaio-de-cara-roxa, o veado-mateiro e o jacaré-de-papo-amarelo. Já deu para sentir que um dia por lá é pouco, né?!
Como atravessar para a Ilha do Cardoso:
Você pode pegar a balsa da Dersa no Píer de Cananéia. É a forma mais barata de chegar, mas também a mais demorada, levando cerca de 3 horas. Em lanchas voadeiras, o percurso cai para menos de 1 hora, mas o valor pode chegar a R$ 150 por pessoa. Eu recomendo sempre ir com um guia local ou, se você for se hospedar por lá por alguns dias, contratar o guia para alguns passeios mais difíceis.
4. Parque Estadual da Caverna do Diabo:
Sem dúvidas um dos lugares mais incríveis que já visitei no Brasil! O parque abrange cerca de 40.000 hectares entre os municípios de Barra do Turvo, Cajati, Eldorado e Iporanga e está a 292 km da capital. A Caverna do Diabo é o principal atrativo do parque, que também oferece outras cavernas, trilhas e cachoeiras.
Visitar a Caverna do Diabo é como entrar em uma cena de filme, tipo Os Goonies. Algo surpreendente. Ela tem mais de 2 milhões de anos e é uma das maiores e mais bonitas cavernas do Brasil – são mais de 6.000 metros de extensão. Caminhar entre as surpreendentes estalagmites, estalactites, colunas, torres, velas, helectites e cortinas é uma aventura para os apreciadores do espeleoturismo (turismo em cavernas).
O primeiro trecho da visita (roteiro tradicional) tem cerca de 1.200 m e demora 1 hora, com baixo nível de dificuldade. Há inclusive estruturas construídas para apoio, como plataformas, escadas, corrimões e iluminação. É realmente tranquilo para qualquer pessoa que consiga subir alguns degraus de escada. A gestão do parque procura trabalhar com o mínimo de impacto, mas estas intervenções humanas foram feitas para possibilitar que um número maior de pessoas pudesse ter acesso a tamanha beleza.
Para entrar na caverna é necessário estar sempre acompanhado de um guia ou monitor ambiental (estes disponíveis para serem contratados no centro de visitantes). Os roteiros mais longos, como o que fizemos, podem alcançar rios subterrâneos. Neste caso, é importante estar preparado com roupas que possam molhar, bolsas estanque e protetores para os celulares. Há trechos em que o rio esta raso e outros onde é necessário nadar por baixo das pedras. Uma super aventura! O trecho de rapel é curto, mas também incrível. Para fazer estas atividades, é importante agendar previamente com um guia local.
5. PETAR – Parque Estadual Turístico Alto do Ribeira:
O Petar é talvez o atrativo mais famoso do Vale do Ribeira por causa de suas belíssimas cavernas secas e molhadas – são mais de 350. Cada uma delas tem suas peculiaridades, com salões gigantes, cachoeiras e abismos de até 240 metros de altura. O parque fica entre as cidades de Iporanga e Apiaí e está dividido em quatro núcleos. O Núcleo Santana e o Núcleo Ouro Grosso são os mais frequentados.
Para visitar o Petar também é obrigatório estar acompanhado de um guia local, que estará sempre informado sobre as condições adequadas das trilhas, cavernas e cachoeiras. Quando chove muito, por exemplo, algumas cavernas e trilhas ficam intransitáveis. No site Petar Online você encontra indicações de guias de confiança.
Explorar o parque em apenas um dia significa escolher apenas um entre mais de 10 roteiros possíveis e abrir mão de todo o resto. Por isso, o ideal mesmo é passar alguns dias por lá. Converse com o guia para alinhar seus interesses e possibilidades físicas. Além das trilhas (longas ou curtas) e cavernas, há dezenas de cachoeiras (algumas abertas a banho), rapel, cascading e outras atividades.
Onde ficar no Petar:
A cidade de Iporanga concentra as principais hospedagens da região, com oportunidades das mais sofisticadas às mais simples. Fiquei hospedada na tradicional Pousada das Cavernas, com sensação de aconchego na natureza. A comida caseira é deliciosa e a piscina natural com sauna seca trazem um charme especial.
6. Rafting no Rio Betari ou Rio Turvo:
A região do Petar, no Alto Ribeira, também é conhecida como lugar ideal para a prática de rafting. Os rios oferecem condições ideais para a prática. Fizemos a atividade pelo Rio Betari, com corredeiras de nível 1, 2 e 3 e direito a banho de rio, claro.
A história conta que ali nasceu o bóia cross (ou aqua ride), no ínicio dos anos 80, quando exploradores usavam câmaras de pneus para levar equipamentos para dentro das cavernas, pelos rios. Um dia, um deles teve a brilhante ideia de deitar em uma das câmaras e se deixar levar pelo rio.
7. Legado das Águas:
O Legado das Águas foi uma enorme surpresa positiva da minha viagem. Tinha ouvido falar pouquíssimo do destino e realmente não esperava o lugar incrível que iria encontrar. O Legado das Águas é uma reserva de 31 mil hectares, distribuídos pelos municípios de Juquiá, Miracatu e Tapiraí. É considerada a maior reserva privada de Mata Atlântica do Brasil.
Foi fundado em 2012 por um coletivo de empresas com o objetivo de proteger a floresta e o recurso hídrico abundante na região. Mais recentemente, tornou-se também um polo de ecoturismo, com atividades e descobertas especiais para os viajantes mais aventureiros e também para os mais tranquilos.
Além de trilhas a pé e de bicicleta, o visitante pode conhecer o Legado passeando de caiaque e fazendo rafting. Há ainda cachoeira, canoagem noturna e uma experiência astronômica. No Centro de Biodiversidade, com capacidade para produção de 200 mil plantas por ano de até 140 espécies nativas diferentes, aprendemos sobre a importância da preservação da flora da Mata Atlântica e entendemos um pouco da pesquisa que desenvolvem por lá. Você pode optar por passar o dia ou se hospedar. Eles têm área de camping e uma pousada com quartos super confortáveis. Vale muito à pena ficar por no mínimo dois ou três dias e sentir o gostinho de uma imersão na Mata Atlântica.
8. Quilombos do Vale do Ribeira:
O Vale do Ribeira tem mais de 15 comunidades quilombolas, que vivem na região há mais de trezentos anos. Sete delas estão organizadas em um Circuito Quilombola de Turismo de Base Comunitária: André Lopes, Ivaporunduva, Mandira, Pedro Cubas, Pedro Cubas de Cima, São Pedro e Sapatu.
Com apoio do Instituto Socio Ambiental, as comunidades desenvolveram atividades para receber os viajantes e ter o turismo como fonte alternativa de renda. Em cada território, o visitante pode ter experiências diferentes, incluindo trilhas, cachoeiras, cavernas, festas tradicionais, oficinas de artesanato, culinária tradicional, rodas de conversa, circuito cultural e outras atividades. Desta vez acabei não visitando as comunidades quilombolas, mas elas já estão na lista para a próxima viagem!
Viajei a convite da Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo e da ATTA – Adventure Travel Trade Association
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