Me lembro de alguns lugares no mundo onde não me senti tão bem-vinda quanto esperava, já que a hospitalidade e o acolhimento costumam estar muitas vezes nas nossas expectativas de viagem. Há diferenças, claro, entre a hospitalidade mineira, a inglesa, a maia, a austríaca ou a hospitalidade “Disney”. E ainda as individualidades de cada pessoa. Mas a verdade é que nunca me senti uma turista rejeitada.
Me pergunto como eu me sentiria hoje em Veneza, Barcelona ou Palma de Mallorca, algumas cidades que despontaram, no último ano, rumo a uma epidemia crescente de Turismofobia – uma doença com sintomas claros, mas com cura ainda questionável. Com marchas, cartazes e grafites espalhados por essas e outras cidades da Europa, moradores locais têm protestado contra o turismo de massa, que domina e sufoca a vida cotidiana, aumentando preços, removendo cidadãos de seus bairros e concentrando renda nas mãos de poucos. “Isso não é turismo, é uma invasão”, afirmou o grupo catalão Arran, que promove a desobediência e manifestações contra o turismo que ocorre hoje em Barcelona.
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A Turismofobia não é um fenômeno inédito, se pensarmos nas tantas pessoas que um dia rejeitaram, tiveram medo ou aversão a qualquer atividade turística. Não é preciso ir longe para ver que os sintomas e causas da Turismofobia rondam qualquer comunidade que se sente ameaçada por um turismo não planejado ou mal gerido. Há alguns anos, aqui no Rio de Janeiro, acompanhamos o medo dos moradores do bairro de Santa Teresa com a chegada de tantos novos estabelecimentos comerciais e o crescimento acelerado do turismo, em um bairro que sempre foi sinônimo de tranquilidade. Estavam lá os mesmos grafites nos muros, rechaçando a chegada de um novo hotel, que parecia ameaçar a paz da vizinhança.
Algum tempo depois, foi a vez de os Jogos Olímpicos 2016 causarem discórdia. Como qualquer destino que se candidata a receber um mega evento, o Rio de Janeiro e o Brasil tinham expectativas, em última instância, de movimentar o turismo com o marketing positivo dos Jogos. O que conseguiram, em grande parte, foi uma população revoltada com gastos que, supostamente, teriam sido fundamentais para a gestão de uma cidade e um estado hoje falidos. Como apoiar o turismo assim?
Essa linha imaginária que separa turismo e moradores locais não precisaria existir se tivéssemos uma atividade mais bem planejada, inclusiva e sustentável para todos. Mas, se pensarmos bem, a maioria dos destinos ainda está mais preocupada com a quantidade de turistas, do que com a qualidade. A maioria dos turistas, mais preocupada com o preço, do que com o impacto causado. A maioria dos formadores de opinião, com o que vende mais notícia.
Vicente Ferreyra Acosta, diretor da Sustentur, fez uma interessante reflexão sobre a responsabilidade de todos nós nesta epidemia, que, cedo ou tarde, pode alcançar tantos outros lugares. Desde os especialistas em marketing, que só focam em quantidade, aos investidores que não inovam e diversificam; desde os consultores, que medem apenas a satisfação do visitante e não do residente, aos turistas, que estão preocupados apenas em preencher sua extensiva lista de países visitados, somos todos responsáveis.
A Turismofobia é um grito de desespero dos que não consentem mais com o turismo selvagem (não o de selva, mas o do capital de Karl Marx). É um alerta para que mudemos antes que uma atividade com tanto potencial para fazer o bem, se transforme definitivamente em uma grande vilã.
As soluções estão com a gente também! Podemos ser melhores turistas, mais educados e conscientes; procurar sempre respeitar a cultura e os códigos de cada local; buscar outros destinos e outras experiências, alternativos, únicos, incríveis, fora do roteiro do turismo convencional; não colocar nosso desespero por fotos surpreendentes acima da segurança ou do respeito ao outro; e, acima de tudo, incentivar e promover viagens que tragam impactos positivos para todos, não só para nós!
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