Mesmo antes de se começar a falar em sustentabilidade no turismo, o Brasil já apresentava iniciativas que buscavam boas práticas e redução de impactos no setor. Hoje, elas se multiplicam pelos mais de 8,5 milhões de km2 do país e muitas servem de exemplos e inspiração para outras iniciativas pelo mundo. Porém, o turismo sustentável no Brasil ainda passa por grandes desafios, que vão da falta de conhecimento à ausência de políticas públicas.
Perguntei a lideranças do setor quais são os grandes exemplos de boas práticas no turismo responsável no Brasil e quais ainda são nossas faltas quando o tema é sustentabilidade no setor. Modelos pioneiros que deram certo, como o destino de Bonito e os hotéis fazenda Campo e Parque dos Sonhos, em Socorro, São Paulo, foram citados como os grandes exemplos em turismo sustentável no Brasil, mas muitas novidades incríveis estão aparecendo para nos inspirar. Uma nova relação com a natureza, educação, maior envolvimento dos empresários, investimentos e projetos inovadores aparecem entre os desafios que ainda precisamos enfrentar em busca da sustentabilidade.
Veja o que dizem Jaqueline Gil, diretora de Negócios, Inteligência e Marketing Internacional da Embratur, Vinicius Viegas, presidente da ABETA – Associação Brasileira de Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura, Mariana Madureira, turismóloga e cofundadora da Raízes Desenvolvimento Sustentável, Alexandre Sampaio, presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) e presidente do Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade da Confederação Nacional do Comercio, de Bens de Serviços e de Turismo (CNC), Mariana Aldrigui, professora e pesquisadora em Turismo da Universidade de São Paulo, e Alberto Viana, educador e pesquisador de Turismo Comunitário.
As perguntas foram:
1. Qual grande exemplo (ou exemplos) em práticas de turismo responsável e sustentável que o Brasil tem a compartilhar?
2. No que o país ainda precisa melhorar para ter um turismo mais sustentável?
Jaqueline Gil, diretora de Negócios, Inteligência e Marketing Internacional da Embratur
Exemplos: Pelo tamanho e pela riqueza de biodiversidade do Brasil, deveriam ser muitas as práticas de turismo responsável e sustentável a vir à nossa mente cada vez que pensamos nisso. De fato, há muitas, mas ainda assim são poucas se comparadas ao volume do que poderia haver. O sistema do voucher único, criado e implementado em Bonito-MS, premiado amplamente no Brasil e no exterior, por exemplo, não foi um modelo replicado em outras localidades brasileiras, ainda que pudesse ter sido, com as necessárias adaptações e modernizações. Recentemente, Bonito inovou novamente ao obter certificação de destino de ecoturismo carbono neutro. Por todos os compromissos já assumidos pelo Brasil, há décadas, relacionados às metas de redução de emissão de gases de efeito estufa, como o carbono, seria importante que o turismo nacional tivesse aderido à temática há muito tempo.
Entre as novidades que vi surgir no Brasil recentemente, vou mencionar a iniciativa de regeneração de corais, no litoral do Pernambuco, liderada pela Biofábrica de Corais. Se expandida, a técnica de recuperação do ecossistema marinho dos corais, que pode contar com o envolvimento do turista para ser acelerada, pode se tornar um grande marco na forma como nos relacionamos com nosso litoral. Os corais abrigam mais de 25% da vida marinha e, ainda assim, no Brasil, a destruição tem sido muito maior do que nosso engajamento para proteger ou regenerar esses frágeis animais, já tão ameaçados pelas mudanças climáticas.
Desafios: O país precisa ter mais seriedade na elaboração, implementação e monitoramento de políticas públicas que levem a um turismo mais sustentável. No conjunto de políticas públicas devem estar incluídas programas e ações, regulamentação, fiscalização, cobrança por inovação e, principalmente, o acesso aos meios para a implementação de bases mais sustentáveis para a atividade, inclusive acesso ao crédito. Iniciativas individuais, aqui e ali, são muito importantes e bem-vindas, mas não resolvem. É necessário uma diretriz nacional, maior, com robustos processos e investimentos para mudarmos a realidade do que temos visto crescer.
Vinicius Viegas, presidente da ABETA
Exemplos: No Brasil, temos o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), como uma ferramenta de referência na proteção do patrimônio natural. Alguns segmentos da economia também vêem se destacando nos últimos quinze anos pela criação de normativos e defesa dos direitos ao meio ambiente. O Turismo de Natureza é um grande exemplo por possuir normas e legislação própria e ser um segmento de referência para a inovação, sustentabilidade e desenvolvimento do tema.
Podemos citar como exemplos alguns associados e parceiros ABETA, os já premiados hotéis da Rede dos Sonhos, os atrativos Rio da Prata e Estância Mimosa, destinos consolidados como Bonito (MS) e Vale Europeu (SC). A Diaspora.Black é um negócio de impacto social com soluções tecnológicas para a venda de turismo afrocêntrico, cultura afro, roteiros, treinamentos e experiências online. A Raizeira Ecoturismo, operadora de turismo e vencedora do último prêmio de Sustentabilidade da ABETA, que tem desenvolvido diversos produtos no Pantanal do Mato Grosso, que envolvem turismo de base comunitária e práticas sustentáveis em seus roteiros.nO Turismo de Natureza brasileiro está na vanguarda do assunto e nos mostra como é perfeitamente possível conciliar a proteção do meio ambiente com a geração de riqueza e a entrega de serviços e produtos de qualidade, seguros e efetivamente sustentáveis.
Desafios: Precisamos estabelecer, em caráter emergencial, uma nova relação com a natureza para deixarmos de ser insustentáveis ao nosso planeta. O abandono dos planos e acordos climáticos internacionais pelo governo brasileiro, sem a substituição por planejamentos comprovadamente eficientes e eficazes, causou enfraquecimento e desequilíbrio não apenas nas instituições que zelam pelo ambiente natural, como também do próprio ecossistema natural. Para mudar a rota precisamos retomar e acelerar a implementação de compromissos climáticos e de desenvolvimento sustentável já firmados e homologados nos diversos níveis da administração pública e de representação mundial. A exemplo, a Agenda 2030 e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Acordo de Paris e a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira, o Plano Nacional de Mudança do Clima (PNMC), o Novo Marco do Saneamento, o Acordo de Escazú, a Convenção nº 169 da OIT, a Declaração de Edimburgo, entre outros.
Nos próximos anos, o Brasil deve priorizar a educação ambiental para toda a população e o estímulo à oferta de empregos verdes. A economia verde deve receber uma série de estímulos, como redução da tributação a empreendimentos de baixo impacto, fomentando uso de energias renováveis, eficiência energética, economia circular, e boas práticas de compliance e governança empresarial. Teremos cada vez mais pessoas e empresas engajadas e advogando pelos direitos da natureza e dos povos originários e tradicionais, respeitando o meio ambiente, seus modos de vida e particularidades.
Mariana Madureira, turismóloga e cofundadora da Raízes Desenvolvimento Sustentável
Exemplos: Acredito que o Brasil tem muito a ensinar ao mundo, mas precisa começar ensinando a si mesmo. Reconhecendo a sabedoria dos povos originários e das comunidades tradicionais em termos de relacionamento com a natureza. Sem romantizar, pois nem sempre essas pessoas têm acesso a informações e práticas que são hoje em dia reconhecidas como melhores para o meio ambiente, mas valorizando sobretudo a relação de respeito e sacralidade com a natureza que perdemos e o entendimento do essencial que tanto nos falta. Nesse sentido, realizar o turismo de base comunitária pode ser uma via de acesso a essas informações.
Desafios: Nosso país acaba de passar por quatro anos de suspensão das políticas públicas de turismo. Um período em que muitas entidades de classe foram fundamentais para que os empresários não se sentissem ainda mais isolados durante a pandemia e tudo que ela significou para o setor. Agora na retomada vemos que muito se fala sobre turismo mais responsável e sustentável, mas já é possível notar, também, que muito desse discurso não se confirma na prática. Para sermos mais sustentáveis precisaremos aumentar o nível de comprometimento com os impactos que a atividade turística gera e com a assertividade na comunicação. O turista precisará estar mais informado e atento para não estimular práticas pseudosustentáveis que podem não gerar os benefícios prometidos.
Alexandre Sampaio, presidente da FBHA e do Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade da CNC
Exemplos: Sem dúvidas, um dos melhores exemplos de turismo sustentável que posso citar no Brasil é o caso do município de Bonito, no Mato Grosso do Sul. O modelo adotado é um paradigma para todo o resto do mundo. Lá, eles estabeleceram um sistema unificado para administrar o número de pessoas que visitam a região. Esse controle é feito por meio de um voucher digital que indica o nome do turista e as atrações que ele pretende conhecer. Dessa forma, é possível controlar o número de turistas nos parques e também garantir que a natureza não sofra tantos impactos com o excesso de pessoas.
Desafios: Com a globalização das informações e exemplos que vemos pelo mundo e aqui no Brasil também, penso que a mentalidade das pessoas já se modificou muito ao longo dos anos. Existe uma demanda por este tipo de mercado. As pessoas estão mais acessíveis para dialogar sobre o turismo sustentável. Agora, cabe aos empresários serem mais ousados nesse sentido. De um modo geral, os empresários devem incentivar e patrocinar cada vez mais este tipo de turismo. Uma sociedade mais consciente e sustentável é sem dúvida, uma sociedade mais saudável.
Mariana Aldrigui, professora e pesquisadora em Turismo da USP
Exemplos: Eu entendo que, por mais que muitos brasileiros já estejam até cansados de ouvir falar destes dois exemplos, a gestão turística de Bonito (MS) e o complexo Campo dos Sonhos e Parque dos Sonhos (SP) são os exemplos ideais para réplica internacional, dada sua longevidade, expansão gradual e concepção original.
Desafios: Eu ainda me incomodo com o fato de negligenciarmos a sustentabilidade real e necessária das cidades litorâneas. Nossos milhares de quilômetros de praias (e o significado disso no imaginário mundial, ligando o Brasil a praias, sol, diversão, etc.) são alvo de poucos projetos realmente inovadores. Existem, são pontuais, mas todos os anos somos notificados de problemas ligados ao alto índice de visitantes, poluição, doenças, e os diversos problemas sociais… sinto uma urgente necessidade de olharmos para isso com seriedade e compromisso.
Alberto Viana, educador e pesquisador em Turismo Comunitário
Exemplos: Acho que os grandes exemplos são aqueles que mesmo sem apoio de políticas públicas e do trade turístico convencional, continuam resistindo como redes e empreendimentos econômicos solidários do turismo comunitário, como a Rede Tucum, no Ceará, a Acolhida na Colônia, em Santa Catarina, e nossos assentamentos e quilombos na Bahia, como a Rota da Liberdade do Vale do Iguape.
Desafios: Para um turismo com sustentabilidade, o Brasil precisa entender a atividade como fenômeno social e não apenas como atividade econômica de mercado, e integrar as políticas de turismo aos territórios e instâncias onde a sociedade civil opine e seja protagonista! E abordar as dimensões principais da sustentabilidade com o mesmo peso: ambiental, cultural, social, política, econômica, tendo como foco a vida e não o lucro!
+ Mais: