Viajante Responsável

O que precisamos fazer para termos um turismo antirracista?

turismo antirracista é possível
Rebecca Alethéia, viajante negra, idealizadora e correspondente da Bitonga Travel
Escrito por Ana Duék

Diversidade, equidade e inclusão são temas ainda pouquíssimo discutidos, especialmente no turismo, onde historicamente nossa motivação única é oferecer e usufruir de prazer, relaxamento, diversão. Será que é possível termos um turismo antirracista? Faço também minha mea-culpa, porque essas questões sempre fizeram parte da proposta de impactos positivos do Turismo Sustentável, mas nunca falamos disso. Falamos do meio ambiente, da sustentabilidade econômica, mas, nas poucas vezes que abordamos os aspectos sociais e humanos, falhamos em falar em equidade, justiça social, racismo, preconceitos e inclusão nos sentidos mais amplos.

Com as provocações causadas por movimentos mundiais como o “Black Lives Matter”, talvez o turismo esteja começando a repensar seu papel na luta contra o racismo e os viajantes também. Ainda que tarde, esperamos que as iniciativas que vêm surgindo não sejam passageiras. Internacionalmente, a Black Travel Alliance, formada por produtores de conteúdo de viagem negros, vem provocando empresas do setor para que compartilhem seus números e iniciativas que dão oportunidades e emprego a pessoas pretas e ainda se comprometam com mais em prol de um turismo antirracista.

Escutei sete profissionais do turismo negros e brasileiros para ouvir as mudanças urgentes que precisamos entender, fazer e incentivar, tanto por parte das empresas, governos e destinos, quanto dos próprios viajantes, se queremos ver um turismo antirracista e um setor inclusivo, justo e economicamente sustentável.

Rebecca Alethéia,

viajante negra, idealizadora e correspondente da Bitonga Travel

“Me chamo Rebecca Alethéia e vos escrevo em nome de todas as mulheres negras, latinas, americanas, caribenhas e de países africanos. Escrevo com o intuito de compartilhar a dor de não sermos vistas e notadas no mercado do turismo como consumidoras ou como perfis selecionados para publicidade. Somos tratadas com invisibilidades, sem representatividade e movidas por um achismo de que não ocupamos esse mundo. Estamos presentes, somos consumidoras e pertencentes do direito de lazer. A eliminação do racismo estrutural no setor do turismo tem que ter seu fim. Reconhecer a importância do turismo de modo geral e dar visibilidade também às viagens afrocentradas é de extrema valia. Percorremos e viajamos para os 4 cantos do planeta e para a lua se for preciso, na certeza de que qualquer lugar em que pisarmos tem a nossa história – e se não tiver, a faremos. Deixo aqui o desafio para que o turismo seja inclusivo e faça sua parte na eliminação do racismo”.

como o turismo pode ser antirracista

Rebecca Alethéia, viajante negra, idealizadora e correspondente da Bitonga Travel

Solange Barbosa,

técnica em turismo, licenciada em História, CEO da Rota da Liberdade
turismo antirracista

Solange Barbosa, CEO da Rota da Liberdade

“O que falta para o turismo ser mais inclusivo? O reconhecimento da importância da história e cultura negra na formação da sociedade brasileira. Um exemplo: as Cidades Históricas de MG. Tirando a obra de Aleijadinho, que nem como negro é reputado, falarão de casarios, de minas de ouro e de ESCRAVOS, não fazendo a narrativa de como os negros africanos imprimiram conhecimento, tecnologia e principalmente seu ETHOS cultural na formação daquela região brasileira. Inclusão e Diversidade: o turismo brasileiro tem cara e cor. Nos processos de formação e acesso ao mercado do trabalho, o negro está alijado. Assim, não se (re)conhece a presença negra no mercado turístico em todos os seus diferentes níveis. Falta diálogo do turismo com os profissionais negros. Hoje, por conta deste distanciamento e apagamento, os negros se organizaram e adotaram o Afroturismo e o olhar sobre o Viajante Negro como bandeiras, buscando assim com que o turismo se abra em escuta”.

Gabriela Araújo,

turismóloga e criadora do blog Negra em Movimento

“Como turismóloga, vejo comumente profissionais negros em posições operacionais e raramente em cargos gerenciais ou estratégicos. As empresas precisam se empenhar na criação de programas de crescimento profissional e planejamento de carreira para reduzir o gap de uma sociedade desigual.

Uma vez que tenhamos um poder de decisão mais categórico, seria um passo adiante criar ações que buscassem promover o antirracismo, como a criação de iniciativas que garantem a acessibilidade da viagem por parte da comunidade negra. Sabemos que uma grande parte da comunidade negra no Brasil ainda precisa se preocupar com direitos básicos de sobrevivência, o que como resultado implica no direito ao lazer sendo tido como um artigo de luxo. Precisamos sobreviver, mas principalmente precisamos viver.

A promoção de ações voltadas ao turismo étnico e à história negra também seria uma forma de pessoas negras se reconectarem à sua ancestralidade através da viagem. Muitas pessoas não conhecem a relevância história de lugares que moldaram o legado negro nas cidades, como é o caso da região da Pequena África, no Rio de Janeiro, e do bairro da Liberdade, em São Paulo”.

Gabriela Araújo, turismóloga e criadora do blog Negra em Movimento

Guilherme Soares Dias

sócio-fundador da Black Bird Viagem e criador do blog Guia Negro

“O primeiro passo é assumir que o racismo é institucional e envolve todas as áreas da sociedade, incluindo o turismo. Nesse sentido, formar os profissionais da área, conversar sobre o tema e agir em casos de racismo assumindo as responsabilidades, sem minimizar possíveis situações (dizer que foi mal entendido, etc). Além disso, contratar mais pessoas negras para diversificar a equipe além de tornar o produto mais atrativo para as pessoas negras. Será que os anúncios incluem a diversidade? Como posso conversar com esse público se não me dirijo diretamente a ele? São processos que as empresas ligadas ao turismo precisam se propor, fazer o debate e construir um turismo antirracista”.

Veja mais com o Guia Negro: Turismo antirracista: 10 ações para diminuir as desigualdades entre brancos e negros nas viagens

Sharon de Almeida Conceição,

Latin America and Caribbean Community Lead na Adventure Travel Trade Association

“A falta de inclusão na indústria possui tantas capas, tantos níveis, que qualquer aproximação é uma simplificação de uma problemática enorme. Mas uma chave muito importante para mim para a falta de diversidade e inclusão no turismo é a falta de visão de oportunidade. Empresas e indústrias inclusivas lucram mais, têm mais potencial. Mas é ingênuo acreditar que uma massa conservadora do nosso meio se transformará só por questões éticas ou por causa da onda do #BlackLivesMatter. Por mais que estejam saindo muitas discussões úteis, ainda que meio atrasadas.

Eu tenho a convicção que, em alguns anos, a falta de questionamentos e aproximação empresarial quanto à diversidade será antiética e até imoral. Acho que, daqui a cinco, anos não se ter uma aproximação empresarial disso vai ser considerado antiético para valer. Mas hoje, se um empreendimento em todos os níveis (inbound, outbound, governos) não tiver uma percepção de oportunidade de lucro, as aproximações tendem a ser superficiais. É por isso que é tão importante a criação de informação sobre as oportunidades e os benefícios de sermos inclusivos; e como isso vai ampliar nossa visão; e quais são os mercados que não estamos alcançando; informações empresariais mesmo. Porque amor por amor, só alguns seres estão correndo atrás dessa evolução humana”.

turismo antirracista

Latin America and Caribbean Community Lead na Adventure Travel Trade Association

Danielle Jardim,

turismóloga, fundadora da Alma Turismóloga e do blog Vivenciando Turismo

“Um ponto que eu acho bastante pertinente e que gosto sempre de pautar é a importância na diversidade nas empresas! Eu acho que ela é fundamental não só para a empresa se posicionar melhor, mas para que sua cultura organizacional seja centrada na inclusão – e aí eu abro um espaço não só para o turismo antirracista, mas para todas as outras causas também!

Toda vez que me pedem pra falar sobre este assunto, lembro de um dos meus últimos estágios antes de assinar carteira. Era como agente de informações da Riotur e eu trabalhava no quiosque da praia de Copacabana. Um turista negro e americano veio na minha direção me cumprimentar e dizer que estava aliviado, pois estava no Rio fazia alguns dias e ainda não tinha visto nenhum negro na posição que eu ocupava. Ou seja, em posições estratégicas, linha de frente, técnicas etc.

A gente precisa de empresas mais inclusivas no turismo. Precisamos de muita coisa, muito apoio, precisamos ver mais famílias negras viajando, mais mulheres em cargos gerenciais; mais gays ou lésbicas exercendo as funções que desejam e não as que sobram; profissionais recebendo pelo cargo e não pelo gênero ou cor de pele”.

Danielle Jardim, turismóloga, fundadora da Alma Turismóloga e do blog Vivenciando Turismo

Camila França,

turismóloga e criadora do projeto Rotas Viagens

“Falar de turismo pra mim é falar da minha vida. Mesmo entendendo que a representatividade é mínima nós estamos sempre resistindo, e existindo. Acho que o mais importante agora é entender que é um trabalho de dois lados, e de todos. O fato de não ter pessoas pretas em cargos de decisão me mostra o quão distante somos colocados dentro do turismo. O primeiro passo para toda mudança é reconhecer e participar, promover oportunidades dentro dos eventos, organizações e empresas, e não achar que o preto tem que ir falar só de afroturismo ou racismo. Estamos em um leque gigantesco de profissionais para falar de qualquer assunto que seja. Representatividade não pode ser somente no serviço, mas em todas a áreas do turismo”.

Camila França, turismóloga e criadora do projeto Rotas Viagens

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Sobre o Autor

Ana Duék

Jornalista de viagens com Mestrado em Gestão de Turismo e Hospitalidade pela Middlesex University (Londres). Desde 2015 defendendo um turismo mais consciente. Acredito que as viagens podem gerar mais impactos positivos para viajantes e para os destinos que nos recebem. Vamos descobrir como?

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