A arquitetura está presente no nosso cotidiano e tem uma grande influência nas nossas vidas. Quando bem aplicada, pode ajudar a reduzir preconceitos e promover a inclusão, além de estimular a criatividade e manter a mente humana saudável.
Na urgente necessidade de reduzir os impactos socioambientais negativos, profissionais e empresas associam a tecnologia com conhecimentos ancestrais na busca por projetos mais sustentáveis. São usadas técnicas, materiais e metodologias que aproveitam os recursos (humanos e naturais) da região, valorizam a natureza ao redor e contribuem para sua conservação.
No turismo, a arquitetura sustentável vem contribuindo para integrar os empreendimentos com o meio ambiente, contextualizando o seu entorno e a cultura local e reduzindo os impactos negativos da atividade. Ecolodges, aeroportos e até espaços para eventos estão trazendo novos referenciais para o setor e experiências exclusivas e responsáveis para viajantes.
A arquitetura sustentando barreiras
O urbanismo e a arquitetura podem ser usados como mecanismos de segregação, assim como ocorreu no Apartheid, na África do Sul, onde a população negra era impedida de acessar certos espaços, ou mesmo na Brasília modernista, que expulsou os trabalhadores que construíram a capital para as cidades-satélites, uma vez que o projeto urbanístico não foi projetado para abrigá-las. Historicamente, ambas as áreas contribuíram para consolidar a segregação sociorracial.
Além disso, a arquitetura majoritariamente presente nos centros urbanos pode trazer impactos negativos ao meio ambiente e à saúde humana. Os edifícios com fachada de vidro, por exemplo, consomem mais energia e podem ser letais para as aves, enquanto construções isoladas prejudicam a caminhabilidade e contribuem para a dependência do carro.
Portanto, pensar em novos desenhos, técnicas e formatos nessas áreas não é apenas uma preocupação estética ou ambiental, é uma forma de proporcionar qualidade de vida para as pessoas.
Arquitetura sustentável
A arquitetura sustentável traz um conjunto de práticas e técnicas que, além de reduzir os impactos da construção tradicional, encontram soluções para problemas atuais. Não importa o tamanho do projeto, a ideia é usar ferramentas mais naturais, como o paisagismo e o bioclimatismo, para tornar os espaços mais confortáveis e eficientes.
Reaproveitamento de água, energia solar, ventilação natural e materiais biodegradáveis são algumas das soluções propostas por esse tipo de arquitetura. Apesar de usar a tecnologia a seu favor, ela se inspira em uma concepção bem mais antiga: a arquitetura vernacular.
Com construções desenvolvidas pelos povos originários e comunidades locais, esse método usa técnicas e materiais da região para propor soluções para o contexto em que está inserido. Os vernáculos se adaptam às condições climáticas e geográficas do território, se integrando com o meio ambiente e atendendo às necessidades básicas dos moradores. É o caso, por exemplo, do Kapawi Ecolodge, no Equador, que foi construído pela própria comunidade indígena Achuar utilizando seus saberes ancestrais.
Além de ter grande influência na arquitetura contemporânea, a arquitetura vernacular é um grande exemplo de sustentabilidade. Enquanto a arquitetura tradicional padroniza e cria cidades genéricas, a arquitetura sustentável favorece a construção de projetos únicos e que dialogam com seus contextos.
Arquitetura sustentável no turismo
A América Latina tem se destacado no cenário mundial na área da arquitetura sustentável. Equador, Peru, México e Brasil trazem alguns exemplos de como é possível conciliar a arquitetura e o turismo na construção de empreendimentos responsáveis e únicos. Confira alguns exemplos inspiradores:
Terra Gaia – Chapada dos Veadeiros, Goiás
Na Chapada dos Veadeiros, a Pousada Terra Gaia é um exemplo de empreendimento pautado na arquitetura sustentável. Usando pedras e a terra da região na sua construção, os quatro chalés se encaixam, em meio ao cerrado brasileiro, em uma área verde que foi totalmente regenerada pelos donos, no município de Cavalcante. As paredes dos chalés foram feitas de terra compactada, usando uma técnica milenar e muito popular no nordeste — a taipa de pilão. Além do seu baixo impacto ambiental, já que é feita de materiais naturais e de origem local, a taipa também auxilia no controle da temperatura interna.
Por trás do projeto estão os arquitetos Bruno Alvarenga e Carlos Fonseca, da Simbiose Arquitetura. Usando técnicas de ventilação cruzada, iluminação natural, reaproveitamento de água e energia solar, o projeto utilizou um sistema de construção que tornou a obra mais rápida e com menos uso de água. Além disso, há uma piscina natural na pousada que não utiliza cloro! A água vem de uma nascente, passa pela piscina que usa um tratamento biológico (feito através de raízes de plantas aquáticas e caixas de pedras) e volta para o córrego.
Eolia Sustainable Design Hotel – Manta, Manabí, Equador
O primeiro hotel de design sustentável da província de Manabí, no Equador, tem seu nome inspirado na mitologia grega: Éolo, deus dos ventos. A preocupação em oferecer a melhor experiência, serviços exclusivos e o mínimo impacto para a região, levou o empresário equatoriano Renato Solines e sua esposa, a arquiteta Veronica Reed, a investirem na construção do Eolia Sustainable Design Hotel. O projeto, que começou em 2019, surgiu com a missão de integrar os conceitos de sustentabilidade e design em todas as suas fases.
Houve uma preocupação em usar todos os materiais em sua forma natural, mapeando previamente o terreno para posicionar as construções de forma que não alterassem o ecossistema local. Além do uso de materiais como cana, fibra de papel e vime, o hotel funciona com energia solar, sistema de aquecimento solar e estação de tratamento de águas residuais. Para envolver a comunidade local, peças de diversos artesãos de Montecristi, Quito e Guayaquil integram o mobiliário e a decoração do hotel.
Ecolodge Máncora – Máncora, Peru
Um “hostel verde” tem se destacado no Peru por integrar uma região que tenta conciliar o turismo, especulação imobiliária e poluição. Criado pelo arquiteto francês Tom Gimbert, o Ecolodge Máncora foi desenhado pensando no bem-estar do planeta e de quem o visita.
Com um número reduzido de acomodações, a intenção é deixar o espaço mais acolhedor, proporcionando uma experiência mais tranquila e reduzindo a pegada de carbono. Tom defende que projetos como este não apenas ajudam a diminuir o uso de materiais artificiais, como o cimento, mas também tornam essas criações mais econômicas e exclusivas.
Usando materiais locais e técnicas ancestrais na sua construção, o Ecolodge sustenta paredes feitas com uma mistura de estrume de burro e lama. O bambu também é utilizado na entrada principal, feita de pedaços de madeira reutilizados de uma velha jangada de pesca. A ideia é inspirar construções como essa no país, que em 2019 consumiu cerca de 350 kg de cimento por habitante.
Carlota Sustainable Design Hotel – Quito, Equador
Localizado no centro histórico da capital equatoriana, o Carlota é um hotel familiar idealizado pelos mesmos proprietários do Eolia. Ele ocupa um casarão tombado de 1905 que pertenceu à família e, pela questão da preservação patrimonial, apresenta um desafio extra ao incorporar práticas de sustentabilidade. Mesmo assim, a criativa arquiteta Veronica Reed conseguiu desenvolver soluções inovadoras e o Carlota se tornou o primeiro hotel do Equador a receber o selo LEED (Liderança em Energia e Design Ambiental) do U.S. Green Building Council, que certifica construções “verdes” e sustentáveis, e é também uma Empresa B.
Mantendo o conforto e o charme de uma casa em estilo francês, e mesclando design moderno com espaços mais sóbrios, o Carlota possui painéis solares que fornecem 30% da demanda energética do hotel, trabalha com o reuso de águas cinzas, aproveitamento de ventilação e iluminação naturais e todas as instalações hidráulicas têm alta eficiência. Além disso, materiais e acabamentos, como carpetes e painéis de madeira, são feitos de materiais reciclados ou recuperado do edifício original e toda a estrutura foi mantida para restaurar a atmosfera original e, ao mesmo tempo, reduzir o impacto ambiental.
Ecogal – Aeroporto Ecológico de Galápagos
O Aeropuerto Ecológico de Galápagos, localizado na Ilha de Baltra, é a principal porta de entrada para as Ilhas Galápagos e “o primeiro aeroporto ecológico do mundo”. Segundo o relatório de 2021, o Ecogal reduziu em 60% as emissões e o consumo de combustível, além de reutilizar quase 4 mil m³ de água. O aeroporto é o primeiro da América Latina a ser carbono neutro e funciona 100% com energias renováveis (solar e eólica). Além disso, possui uma estação de dessalinização da água do mar, tornando-a potável para consumo.
A construção, que foi concluída em 2013, contou com a reutilização de diversos materiais, como metal, madeira e até tubos reciclados usados na exploração do petróleo na Amazônia equatoriana. O aeroporto também aproveita a luz e o vento natural e consegue poupar 1.626 MWh de energia por ano por não usar ar condicionado.
Arquitetura sustentável: olhar de quem sustenta
Pedro Lira é arquiteto e urbanista e sócio-fundador da Natureza Urbana, um escritório criado em 2012 com o propósito de ressignificar lugares e transformar vidas. Priorizando a harmonia com o meio ambiente e o equilíbrio entre funcionalidade e preservação, a Natureza Urbana atua em projetos de arquitetura, urbanismo e consultoria em diversas áreas, incluindo o turismo.
“A gente acredita que de fato um projeto só é bom quando ele é bom para todas as partes envolvidas — proprietários, investidores, usuários, pro meio ambiente e pro ambiente social que ele está inserido”, defende o arquiteto.
Pedro, que também é sócio na Altar, empresa que usa a tecnologia na construção de casas sustentáveis, entre elas algumas adaptadas para receber viajantes, acredita que as mudanças climáticas são um sinal evidente da urgência em todas as pessoas terem uma atuação mais responsável, em qualquer área, na produção ou no consumo. “Pra fazer isso é importante a gente trabalhar cada projeto de uma forma específica e adequada àquele habitat onde ele está inserido. Por isso, a gente busca fazer uma imersão e entender o ambiente, entender os elementos naturais e como melhor trabalhar com eles, como impactar positivamente essa comunidade e o entorno que estamos, no qual a gente está atuando”.
Trazendo o conceito da Economia Donut, Pedro Lira defende que é necessário atender as demandas sociais, mas tomando cuidado para não ultrapassar os limites planetários (poluição, desmatamento, etc). “Não podemos ultrapassar esse limite que o ambiente permite e que a relação equilibrada com a comunidade local exige”, conclui.
A sustentabilidade no turismo começa com a construção de pilares bem consolidados: meio ambiente equilibrado e comunidade local envolvida. Se as cidades históricas materializam sua memória e cultura em suas construções, para continuar escrevendo a nossa, é necessário buscar formas para que nosso legado seja perpetuado para as próximas gerações.
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