O termo Turismo Regenerativo, como alguns gostam de dizer, virou “tendência” e, assim como estes termos que irrompem o mundo do turismo propondo enormes transformações, chegou carregado de informações confusas, greenwashing e, consequentemente, muito descrédito – ainda que muita gente acredite que esta é uma grande novidade.
Mas será que alguém está entendendo do que realmente se trata o Turismo Regenerativo?
Em todos os artigos, matérias e textos que leio não vejo nenhuma explicação inovadora que traga algo diferente do que o Turismo Responsável já propõe. “Turismo Regenerativo é sobre deixar um lugar melhor do que encontramos após visitá-lo”, diz uma reportagem. “É ir além da sustentabilidade. É cuidar da comunidade. É olhar para o destino”. Todos estes valores já estão embutidos no conceito e nos propósitos do Turismo Responsável.
Eu convido vocês a não nos contentarmos com explicações superficiais apenas para atender uma necessidade de usarmos um novo jargão e lançarmos uma “nova tendência” no turismo. O Turismo Regenerativo não é um sinônimo para turismo sustentável, não é um nicho de viagens, não é uma nova forma de fazer turismo na natureza e provavelmente não é nada do que você, nem eu, imaginamos até agora. Simplesmente porque a nossa cultura e nossa lógica capitalista eurocêntrica nos impedem de darmos os primeiros passos que a regeneração propõe: desaprender, romper nossa visão tradicional de mundo e reconstruir nossos valores sob novas perspectivas diante das emergências globais.
Estamos reaprendendo a ouvir os saberes ancestrais e nossos povos originários. Mas queremos fazer isso dentro da nossa lógica capitalista e antropocêntrica, esquecendo que pode haver uma outra muito mais potente: a lógica da natureza. Uma lógica onde todas as formas de vida, inclusive nós humanos, dependem e se beneficiam umas das outras. E onde a natureza é quem manda. Infelizmente, ainda não conseguimos pensar e agir assim.
E se não tentarmos medir o Turismo Regenerativo com KPIs (em inglês Key Performance Indicators)? E se não tentarmos enquadrá-lo em uma definição universal fundamentada pela ONU Turismo? E se admitirmos que o Turismo Regenerativo é uma proposta em constante estudo, evolução e transformação? E se começarmos pelo desenho de experiências regenerativas nos territórios e destinos? São vivências que não só recuperam a natureza, ou “deixam os destinos melhores do que encontramos”, mas que, desde o princípio estão muito centradas em reestabelecer as relações do homem consigo mesmo, com o outro e com a natureza (o que chamamos princípio das três relações) e em fazer o território prosperar.
Não é mais sobre satisfazer os desejos dos viajantes. É sobre aliar o turismo às outras práticas e ferramentas que promovem o bem-estar das pessoas, do lugar e de seus visitantes. O Turismo Regenerativo e seu olhar holístico têm a oportunidade de dar as mãos, por exemplo, à abordagem da Saúde Única (One Health), que traduz o equilíbrio e integração entre a saúde humana, animal e dos ecossistemas – porque ele vai muito além do tradicional “escopo” do turismo.
Estou escrevendo esse texto em um momento em que passo três dias sem internet, imersa em uma experiência incrível no EcoCamp Patagonia, um lodge pioneiro em sustentabilidade, localizado dentro do Parque Nacional Torres del Paine, na Patagônia chilena. É uma experiência de desconexão que não vivo há muito tempo. Mas, acima de tudo, me ajudou a perceber claramente o que é essa proposta de trocar a conexão digital pela autoconexão e pelos encontros tão valiosos com outros seres humanos e com a natureza.
Quando entendermos estes “simples” reposicionamentos de valores que a regeneração nos propõe, como a natureza como pilar central, o princípio das três relações e as construções coletivas, poderemos facilmente entender por que não fazem mais nenhum sentido, por exemplo, os atrativos turísticos que exploram animais.
Tudo pode parecer um pouco filosófico, impalpável. Mas quando estamos vivendo essas experiências na prática, elas fazem todo sentido. Na semana passada fui convidada pela operadora Chile Nativo e pela Mandala Andino para um banho de bosque, também aqui em Magallanes, na Patagônia. Olhar com respeito, curiosidade e fascinação para aquele bosque subantártico, nos faz entender o gigantismo de sua importância globalmente e para nós enquanto indivíduos. Cada pequena folha ou fungo conta e nós podemos sim ajudar a protegê-los, enquanto eles nos devolvem em saúde.
A regeneração também nos propõe a vida em outro ritmo. E esse talvez seja um dos maiores desafios para nós que buscamos resultados práticos e imediatos. (O que dizer à turma do ESG que tem seus cálculos e projeções na ponta do lápis?) Quando participei do II Workshop de Turismo Regenerativo, realizado pela IGTR – Iniciativa Global de Turismo Regenerativo e pela Ekoways Caminhos Regenerativos, as pausas para trocas, reflexões e respirações foram talvez minhas maiores dificuldades. Hoje entendo como são importantes!
Penso que essa questão do outro tempo e do outro ritmo (muito provavelmente os da natureza) dialoga tão bem com o Turismo de Base Comunitária – já que nos deparamos com estes tempos diferentes dos nossos em muitas comunidades tradicionais. Sabemos que estas experiências, comunitárias, regenerativas, ou com qualquer outra proposta, só alcançam o mercado e a larga escala se falarem “a língua da indústria”. Mas será que elas realmente precisam? Deixo a reflexão.
Como seguimos ainda muito regidos pela nossa lógica com a necessidade de explicações fundamentadas na nossa visão de mundo, deixo aqui sugestões de matérias que escrevi anteriormente sobre Turismo Regenerativo e que buscam explicar de forma mais prática, trazendo os Princípios do Turismo Regenerativo, alguns exemplos e a história de como ele surgiu.
Fique à vontade para compartilhar seus comentários e reflexões abaixo! 😉