Foi-se o tempo em que o jornalista tinha tempo e recursos para profundas apurações. A correria imposta pela informação fluida da internet e o enxugamento das editorias consideradas por muitos veículos como “menos relevantes”, como turismo e cultura, estão criando um mundo de informações incompletas, superficiais, confusas e até falsas. Em tempos onde debatemos, sem resultados, os efeitos nocivos das fake news, resultando em manipulação de eleições e até fatalidades, discutir a responsabilização de quem anuncia compromissos com o turismo sustentável e não os cumpre parece até devaneio!
Na Europa e Reino Unido, porém, esse cenário está mudando. Em 2023, as duas regiões atualizaram suas legislações com o objetivo de conter o greenwashing. As novas regras têm o objetivo de impedir e punir com graves multas e suspensões empresas que forneçam declarações enganosas ou vazias sobre os benefícios ambientais dos seus produtos, serviços ou operações. Se declarou, tem que comprovar! No Reino Unido, desde 2021, a Competition and Markets Authority tem publicado um “Código de reivindicações verdes: fazendo reivindicações ambientais“, com orientações para empresas que divulgam ou promovem suas ações de sustentabilidade. Recentemente, a Advertising Standards Authority (também britânica) multou e baniu vários anúncios de empresas, incluindo companhias aéreas, que exageravam nas reivindicações com comunicações duvidosas ou vazias. Termos como ecofriendly, natural, biodegradável, eco, amigo do planeta, não são mais aceitos, pois não dizem nada.
Aqui no Brasil, seguimos sem regras e a minha sensação é que ainda vai piorar muito, antes de melhorar. Com o tema sustentabilidade em alta, o Brasil recebendo a Conferência das Partes (COP 30), em 2025, e os brasileiros vivendo na pele os efeitos das mudanças climáticas, todos estão finalmente sentindo a necessidade de lançar mão desta palavrinha às vezes indigesta – seja na prática, ou somente na teoria. E isso vale também para o turismo. Basta ver a quantidade de empresas, hotéis e destinos ocupando espaço em jornais, revistas, sites e redes sociais para falar de seus cuidados com as pessoas e com o planeta.
Dá pra confiar em tudo o que dizem sobre sustentabilidade?
No Brasil, vivemos uma necessidade constante de boas notícias. Embora a mídia leve a fama de adorar publicar tragédias, posso te garantir que jornalistas amam contar boas histórias! E, cada vez mais, são elas que nos inspiram. Por isso, quando recebemos um release de imprensa de uma empresa alegando que ela é 100% sustentável, que não trabalha com nenhuma prática antiética, que é uma empresa certificada ou que investiu milhões em comunidades locais pelo Brasil, a gente quer realmente acreditar que tudo ali caminha para o bem. O triste é saber que nem sempre é assim…
Mas como uma notícia falsa ou duvidosa chegou nas páginas daquele site ou jornal que eu confio tanto?
A apuração dedicada que a editoria de política merece, por exemplo, não tem espaço na correria do turismo, onde o jornalista não tem tempo nem incentivo para se especializar. Veja bem. Não estou justificando nem tirando a responsabilidade de nós jornalistas de viagens. Apenas trazendo um cenário que, aliás, não é de hoje. Tradicionalmente, quem escreve sobre viagem, muitas vezes não se acostumou a ter um olhar crítico e questionar as coisas.
A escritora Elizabeth Becker lembra no livro Overbooked: The Exploding Business of Travel and Tourism (2013):“o jornalismo e as editorias de viagens têm o objetivo de ajudar os consumidores a gastarem dinheiro buscando o sonho de uma viagem perfeita. Eles raramente escrevem revisões críticas; apenas artigos sobre o que fazer e o que comprar e como experienciar um destino”. Realmente, as viagens sempre foram vistas pela mídia como lindas atividades que promovem o bem-estar, a conexão entre pessoas e culturas, o desenvolvimento econômico e novas descobertas. Para quem as faz, para quem as oferece e para quem escreve sobre elas.
Será que nos falta um olhar mais crítico sobre o turismo?
A responsabilidade sobre a comunicação das iniciativas de qualquer empresa de turismo ou destino não é apenas deles, mas também do assessor de imprensa, do publicitário, do gestor de mídias sociais, do jornalista e do dono do veículo que está publicando a notícia. Somos todos responsáveis! E quando o assunto inclui alegações sobre práticas de sustentabilidade, acho que já passou da hora de entendermos que o cuidado precisa ser redobrado.
Não dá mais para reproduzirmos discursos vazios e promovermos empresas que não estão fazendo nada para ajudar as pessoas e o planeta simplesmente porque são anunciantes! Quando fazemos isso, estamos incentivando que elas continuem onde estão, focadas apenas no lucro e enganando a todos com um lindo discurso recheado de greenwashing (ou suas variações: bluewashing, blackwashing, social washing, etc.).
Nós, como jornalistas e comunicadores, temos a ferramenta da comunicação nas nossas mãos e a responsabilidade de usá-la para o bem, a conscientização, a informação e, por que não, a mudança de comportamento. Embora ainda seja difícil mensurar o que chamam hoje da nossa brainprint, é fato que mensagens sobre mudanças climáticas e temas relacionados podem gerar impactos e transformações.
Essa ótima TED Talk da Futerra questiona algo nessa linha: “As agências de publicidade, empresas de relações públicas e lobistas estão destruindo o clima?”. Afinal, nunca falamos sobre a nossa responsabilidade nesse contexto.
Na semana passada, assisti a alguns jornalistas da Globonews debatendo durante quase 10 minutos sobre um cruzeiro de volta ao mundo de vários meses. Falaram das diárias, de quem iria ou não, de quantos países o navio visita, mas, em nenhum momento, ninguém citou o tamanho gigantesco do impacto ambiental desta escolha. Assim é diariamente na mídia. Jornalistas fazem uma matéria que alerta sobre as mudanças climáticas ou conta sobre um novo importante projeto social e depois seguem com trezentas outras reportagens que nos levam exatamente para o caminho oposto. (Não, isso não seria um caso de greenwashing, mas sim outro aspecto para refletirmos sobre nossa responsabilidade!).
Sempre aprendi que o jornalista é um “especialista em generalidades”. Mas também aprendi que grandes jornalistas mergulham a fundo nos assuntos que querem abordar. Não ouso, por exemplo, tratar de economia. E reconheço minha limitação. Penso que os jornalistas de viagem precisam encarar a nova realidade que o mundo nos apresenta, entender verdadeiramente sobre turismo responsável e assumir essa pauta com seriedade. Isso pode ajudar a transformar verdadeiramente o setor de viagens e também o nosso planeta.
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