Slow food, slow living, slow travel, mindfulness. Muitos nomes em inglês nos incentivam a diminuir a velocidade em um mundo pós-industrialização, tecnológico e globalizado. Estes movimentos surgem como resposta ao cotidiano frenético do século XXI, e o slow travel é um convite para degustarmos com calma as nossas viagens.
O que é o slow travel?
A vida é corrida, sabemos muito disso, especialmente agora na era digital, onde tudo é para ontem. Podemos sentir que estamos ficando para trás, se pararmos para descansar um pouquinho. E o ritmo anda tão acelerado, que até mesmo nas férias e viagens, onde deveríamos descansar e recarregar as energias, estamos lutando contra o tempo para visitar o maior número de lugares possíveis.
O slow travel, em tradução literal “viagem lenta”, assim como outros movimentos, é um descendente do Slow Food, movimento que nasceu na Itália, em 1986, em protesto à construção de um McDonald ‘s na Piazza di Spagna. Esta é uma iniciativa que incentiva a apreciação da comida natural, de qualidade e procedência sustentável, como os alimentos de pequenos fazendeiros que trabalham com produção de orgânicos.
Movimentos como estes nos fazem questionar por que estamos correndo tanto, e por que estamos ocupando nosso tempo apenas com trabalhos, estresses ou para manter determinadas aparências.
E você sabe quando viajar virou preencher um álbum de figurinhas com o máximo de pontos turísticos possíveis? Após a industrialização, o turismo foi ganhando força progressivamente. Com as estradas melhores, aviões mais rápidos e acessíveis, trens ligando várias cidades, ficou muito mais fácil de viajar, e as pessoas foram ficando cada vez mais com sede de se aventurar pelo mundo.
Com muita ajuda das mídias, que divulgam os lugares mais conhecidos e desejados de cada região, viajar virou praticamente uma corrida contra o tempo para gabaritar o máximo possível de destinos postais. Não é à toa que os pacotes turísticos, serviço essencial para quem não quer perder o mais badalado de cada lugar, tiveram um grande crescimento.
Pois bem, existem outras maneiras de viajar, e a proposta do slow travel é justamente deixar de lado os pontos turísticos e aproveitar cada pedacinho do lugar que você vai visitar, fazendo isso de uma forma responsável. O melhor aqui não está em passar rapidamente nos destinos, mas sim degustar vagarosamente suas cores, sabores, cheiros, pessoas. Mas será que essa é uma viagem para qualquer um?
Para quem é o slow travel?
Slow travel não é exatamente um estilo de viajar. Ele está mais para uma mentalidade de viajante. Isso quer dizer que, mesmo que você faça uma viagem lenta, a ideia refletir sobre como você aproveita cada destino. Para isso existe um grande questionamento: “por que vivemos com tanta pressa?”.
Se você nunca se perguntou isso, pode ser que precise se questionar antes de se propor a uma experiência slow travel. Para este estilo de viagem é importante estarmos conectados com o aqui e agora, não nos apegarmos aos horários e cronogramas, deixar um pouco de lado a câmera e a tecnologia, tirar um tempo para refeições longas, momentos de contemplação e conversas arrastadas.
Desapegar de um propósito também é uma maneira “slow” de viajar. Por exemplo, visitar uma ruína sem necessariamente ter um guia para conhecer a história, apenas caminhar e apreciar o que está ali; sentar e sentir o ar que bate em seu rosto; imaginar o que pode ter acontecido naquele local, sem saber a história real. Apenas estar.
Como planejar uma slow trip?
Se você nunca fez uma viagem nesse estilo, pode ficar tranquilo, porque é uma maneira muito simples de viajar. Olha só algumas dicas de quem já foi para a estrada:
1. Sem FOMO
FOMO é uma síndrome da era moderna: o medo de ficar de fora de novidades que estão acontecendo no mundo. Quando viajamos, um dos motivos pelos quais queremos gabaritar os destinos é o medo de perdermos alguma coisa incrível.
Na minha experiência como viajante, o número de coisas maravilhosas é tão grande, que, mesmo que você visite tudo, alguma coisa vai faltar. Não importa o tanto que você viaje, sempre vai ter alguém que fala “Nossa, você não visitou aquele lugar? Uau, não sabe o que perdeu!”. Saber disso é ótimo, não só porque temos um pretexto para voltar, mas também porque mostra que a viagem será especial pelo que você viveu, e não por ter seguido uma meta irreal de conhecer todos os lugares de um destino.
2. Esqueça os roteiros
Defina um lugar que você gostaria de visitar, dê uma pesquisada na região, mas não faça roteiros. Tudo bem você saber algum ponto que quer visitar, mas deixe para decidir chegando no destino, pegando dicas com as pessoas locais. Isso te dará margem para as boas surpresas da viagem.
3. Converse com os locais
Para complementar a dica acima, a não ser que você queira ir para um lugar para ficar realmente bem quieto, precisamos conversar com as pessoas locais. Além de ser uma oportunidade de conhecer pessoas e histórias incríveis, é também uma forma de descobrir os melhores passeios da região.
4. Programe poucas coisas
Programe no máximo um ou dois pontos turísticos para visitar no dia, isso te dará folga para ver as coisas com calma, liberdade para mudar de planos e tranquilidade para lidar com os imprevistos.
5. Dê um tempo na tecnologia
Deixe o celular guardado para não se sentir tentado a fotografar a cada instante, ver as horas ou responder mensagens. Aproveite para ficar presente naquilo que está acontecendo no momento.
6. Confie
Eu estive duas vezes no Peru. A primeira foi em um mochilão de 14 dias, que já tinha sido bem diferente porque usei este tempo apenas para aquele país. Na época, a maioria dos brasileiros viajava durante o mesmo período para fazer Chile, Bolívia e Peru. Foi tudo cronometrado, uma viagem incrível, mas foi um ritmo intenso e cansativo, que se limitou a conhecer lugares.
Em 2020 eu voltei para passar 3 meses ali. Fiz voluntariado e conheci uma parte do Valle Sagrado que não tinha conhecido na primeira vez. Isso me deu a oportunidade de visitar ruínas e trilhas inexploradas, fazer amizade com locais, presenciar cerimônias típicas, cozinhar a comida peruana e aprender como preparar um bom cacau, que é o chocolate quente feito a partir de uma barra de cacau 100% puro, uma bebida sagrada para eles.
Nesta segunda ida eu me propus a não fazer nenhum plano antes de 2 ou 3 dias faltando para sair de onde eu estava, e algumas vezes fechei a minha hospedagem dentro do ônibus, quando estava chegando na próxima cidade. O slow travel não precisa ser tão solto, mas é sobre ter paciência, não se preocupar tanto com o próximo passo, viver presente no que está acontecendo. Isso me deu a oportunidade de conhecer coisas que nenhum roteiro permitiria.
Slow travel para nômades digitais
Se você é um nômade digital, o slow travel toma uma roupagem um pouco diferente, já que você estará sempre na estrada e a viagem será mais longa. As dicas ali de cima servem para você, mas têm mais alguns truques:
Dê preferência para aluguel mensal
Ao invés de ir para uma pousada ou hotel para passar alguns dias ou semanas, fique em lugares que você possa passar um período maior. Aluguéis mensais te ajudarão a economizar e te darão a chance de conhecer o destino com mais tranquilidade, afinal você já está na estrada, não há pressa para avançar.
Viva como um local
Aproveite que ficará bastante tempo e se informe sobre quais são os restaurantes que os moradores comem, qual é a cachoeira escondida que eles conhecem, em que feirinha costumam comprar, que música ouvem. Isso te fará ter trocas mais profundas, bons aprendizados e memórias incríveis.
Pratique volunturismo
O volunturismo é uma maneira incrível de conhecer mais a cultura da região, desde que você escolha um local que propicie essa experiência. Você pode ajudar em uma escola, em uma plantação típica, em algum projeto ecológico. Essas são algumas das muitas opções que te farão aprofundar na cultura e viajar com calma.
Que este artigo te inspire não somente a viajar de uma forma lenta, mas também a viver uma vida mais conectado com você e com o que te cerca!
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