Viajante Responsável

Overtourism no Brasil é uma realidade. Por que só falamos da Europa?

overtourism no Brasil
Imagem criada com Inteligência Artificial
Escrito por Ana Duék

Coletivo MUDA! alerta para a falta de visão responsável nas políticas públicas do turismo brasileiras

Nas últimas semanas, os protestos contra turistas em cidades espanholas voltaram a ocupar a mídia brasileira, alertando para um fenômeno de insatisfação das populações de muitos destinos com o excesso de visitantes e com o mau planejamento do turismo em seus territórios, que ganhou o nome de turismofobia.

Estudos sobre o excesso de turismo, ou overtourism, já são feitos na Europa desde a década de 90. Nos últimos anos, ganharam destaque na imprensa diversas iniciativas de governos de cidades como Amsterdã, Veneza, Barcelona, Copenhagen, Madri, Viena e até Quioto, no Japão, para controlar o turismo desenfreado. Mas chamam ainda mais atenção os protestos promovidos pelos locais, com manifestações, pinturas nos muros, pistolas de água e até greve de fome, que não aceitam mais o modelo de turismo predatório que satura e destrói os recursos naturais do destino e gera especulação imobiliária e gentrificação, expulsando os moradores de seus territórios e tornando os lugares praticamente inabitáveis.

O que temos esquecido de falar é que o overtourism não é um fenômeno exclusivo da Europa e já está presente em muitos destinos brasileiros, especialmente durante o verão. “Muitos moradores de territórios brasileiros estão insatisfeitos com o turismo que acontece hoje em seus destinos, prejudicando a qualidade de vida das populações locais, a exemplo de Ilha Grande, Caraíva, Jericoacoara, Ilhabela e Fernando de Noronha”, alerta Tatiana Paixão, proprietária da Casa de Paixão Caraíva e presidente do MUDA! Coletivo Brasileiro pelo Turismo Responsável. “Precisamos esperar que a turismofobia se desenvolva no nível que chegou na Europa? Por que não passamos, iniciativas públicas e privadas, a repensar juntos esse turismo, antes que seja tarde?”, provoca Tatiana.

overtourism no Brasil

Praia lotada em Porto de Galinhas, Pernambuco. Foto: Marlon Costa | Pernambuco Press

No artigo “Welcome to Brazilian Overtourism: a retomada da saturação e da irresponsabilidade em destinos turísticos brasileiros”, João Paulo Faria Tasso, André Riani Costa Perinotto e Mozart Fazito Rezende Filho trazem a “necessidade de aprofundar o debate sobre o overtourism no Brasil e sobre as estratégias governamentais de retomada (irresponsável) do turismo (saturado) em destinos brasileiros”.

Enquanto o Brasil e o brasileiro historicamente lamentam seus baixos números de visitantes, ou ficam concentrados em comemorar números “recordes”, esquecemos de debater que turistas queremos receber. “Ainda estamos muito preocupados apenas em aumentar a quantidade de viajantes, ao invés de refletirmos sobre a qualidade dos visitantes que queremos para nossos destinos e qual a capacidade saudável de viajantes que cada território pode receber”, defende Marianne Costa, CEO do Grupo Vivejar. “Temos falado tanto em turismo responsável e é exatamente sobre isso: um turismo que seja, prioritariamente, bom para o destino”, complementa Marianne.

Ainda segundo empresária, destinos e empreendimentos podem e devem escolher os turistas que eles querem receber. “Isso também faz parte da tomada de responsabilidade e do planejamento para um turismo mais consciente e responsável”, explica Marianne. “Será que o viajante que não está aberto a conhecer mais sobre a cultura local, visitar uma comunidade tradicional, deixar uma pegada social positiva é realmente interessante para o seu destino?”, questiona.

De acordo com o secretário de Turismo de Grão Mogol/MG e vice-presidente da Anseditur, Ítalo Mendes, “é necessário que os gestores compreendam que o objetivo de uma Política Pública de Turismo não é atrair turistas, cada vez mais turistas, turistas com qualquer tipo de comportamento. É preciso que os destinos entendam que a razão final do turismo é melhorar a vida das pessoas. E nesse sentido, definir a quantidade e o perfil dos visitantes que querem receber”. Ítalo lembra que mesmo os destinos que estão começando a promover o turismo já deveriam estar preocupados em entender qual o turista que querem receber.

Na Nova Zelândia, muito antes da pandemia, a promoção e o marketing turístico trabalham com o foco na qualidade ao invés da quantidade. De acordo com, o Turismo da Nova Zelândia, o enfoque estratégico é sustentado pelo conceito de visitante de alta qualidade, que é “definido não apenas pelo dinheiro que gastam, mas pela maneira como contribuem para o meio ambiente natural, cultura, sociedade e economia. O visitante de alta qualidade é determinado pelo tipo de visitante, pela abrangência de suas atividades, viagens ao longo das estações e regiões, consciência ambiental e engajamento com nossa cultura e comunidades locais”.

A responsabilidade da mídia com o overtourism no Brasil

É claro que a imprensa, os blogs e as redes sociais, e não apenas os destinos, também têm grande responsabilidade pelos excessos do turismo em muitos destinos e, no Brasil, assim como em qualquer lugar do mundo, ninguém assume essa responsabilidade. Publicar uma matéria sobre overtourism certamente não resolve nada. No dia seguinte, a grande maioria dessas mídias está escrevendo 300 outras matérias sobre como esses mesmos lugares são lindos e maravilhosos para serem visitados no auge da temporada.

Veja, por exemplo, os Lençóis Maranhenses, nosso mais novo Patrimônio Mundial da Humanidade que, claro, merece ser visitado por todos nós. Todos os anos ele ocupa páginas e mais páginas com divulgações super rasas de festas ou presenças de influencers. Agora, mesmo com o título de Patrimônio Mundial, continuamos sabendo pouquíssimo sobre a cultura e os moradores locais e as fotos enganam sempre, como se fosse uma região completamente deserta. Será que a vida em Barreirinhas ou Santo Amaro melhorou para todos com o turismo? Alguma matéria propõe um roteiro para desvendar a região de forma mais responsável?

Lençóis Maranhenses lotado overtourism no Brasil

Durante o verão, nossas grandes mídias trazem as matérias sensacionalistas mostrando o caos em alguns destinos que têm registrado situações de falta de água e luz, filas em restaurantes e pontos turísticos lotados. Nenhuma dessas mídias se questiona ou se responsabiliza antes de divulgar esses destinos e muito menos acha que teve algum papel naquela lotação.

Amigos, precisamos lembrar que sustentabilidade não é apenas sobre reduzir plásticos!

Que impactos podemos identificar nos destinos com excesso de turistas?

– perturbação sobre o meio ambiente e esgotamento de recursos naturais

– problemas no abastecimento de água

– saturação na rede de esgoto

– panes ou falta de energia elétrica

– excesso de resíduos e lixo sem coleta

– explosão populacional

– aumento nos processos de gentrificação e especulação imobiliária

– desabastecimento de produtos, lugares, serviços e transportes lotados

– devastação de áreas protegidas e ameaça à biodiversidade

– processos de desenraizamento cultural e comoditização

– empregos com baixo valor agregado

– movimentos de “neocolonialismo” por empresas multinacionais

– exploração sexual de crianças e adolescentes e prostituição

– urbanização de áreas rurais e modificação massiva da paisagem original

overtourism no brasil

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Sobre o Autor

Ana Duék

Jornalista de viagens com Mestrado em Gestão de Turismo e Hospitalidade pela Middlesex University (Londres). Desde 2015 defendendo um turismo mais consciente. Acredito que as viagens podem gerar mais impactos positivos para viajantes e para os destinos que nos recebem. Vamos descobrir como?

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