Há anos debatemos sobre as potencialidades do Brasil para o ecoturismo, turismo de natureza e de aventura. Discutimos também, agora mais do que nunca, os melhores caminhos para a conservação ambiental no país mais biodiverso do mundo. Os dois temas se unem quando falamos de visitação em parques e Unidades de Conservação, uma atividade que vem crescendo com as pessoas buscando mais contato com a natureza em função da pandemia.
O cenário favorável incentivou a Fundação Grupo Boticário a realizar um grande evento, com o objetivo de incentivar o turismo responsável nas Unidades de Conservação, encontrando soluções para ampliar a visitação e, consequentemente, impulsionar o desenvolvimento econômico em cada região e gerar renda para a preservação. O seminário Destino Natureza – Turismo em Unidades de Conservação conectou, pela primeira vez, especialistas de diversas áreas, que tiveram a oportunidade de destacar propostas, boas práticas e desafios a partir de diferentes exemplos e pontos de vista.
Os painelistas concordaram que o Brasil tem enorme potencial para se tornar referência mundial em turismo de natureza, mas, para isso, precisamos de mudanças que incluem investimentos nas áreas naturais protegidas e novas políticas públicas. De acordo com o relatório ‘Unidades de Conservação no Brasil’, produzido pela WWF em 2019, nosso país tem mais de 2.300 Unidades de Conservação, que ocupam 18% do território (aproximadamente 1,6 milhão de km2). Porém, apenas 6% dessas áreas estão em unidades de proteção integral, que permitem apenas o uso indireto dos recursos naturais e atividades como educação, pesquisa científica e turismo.
“A prioridade da nossa agenda é fortalecer as Unidades de Conservação, visando com que cumpram com seus objetivos, buscando destravar recursos através de parcerias com órgãos públicos, com as instituições de fiscalização e controle, e com a sociedade civil”, destacou Emerson Antônio de Oliveira, gerente de Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário durante o evento.
Benefícios do Turismo Responsável em Unidades de Conservação
Logo no primeiro dia de evento, Alexandre Sampaio, presidente do Conselho de Turismo da CNC e presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação, foi objetivo ao mostrar os benefícios do turismo para as UCs, com números de geração de empregos diretos e de movimentação econômica nas comunidades do entorno. “É preciso desmistificar a insegurança em relação ao uso sustentável das Unidades de Conservação”, lembrou ele, destacando que a premissa primordial continua sendo a sustentabilidade e manutenção das áreas protegidas. “Afinal este é também o grande ativo que atrai o público”.
Alexandre trouxe como referência uma pesquisa realizada na Jordânia, em 2017, que identificou que, a cada US$ 100.000 gastos por visitantes em turismo especializado e focado na natureza, 2,6 empregos são gerados e 64% dos ganhos ficam no destino. Em contrapartida, com o mesmo investimento, o turismo tradicional gera 1,5 empregos e deixa apenas 14% no local. “Fica claro que o turismo em áreas naturais tem um potencial de crescimento local muito maior do que o turismo tradicional”, concluiu Alexandre Sampaio.
Vinícius Viegas, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura – ABETA, também destacou o potencial dos parques para gerar oportunidades locais, preservar a identidade cultural de comunidades tradicionais e relembrou os benefícios do ecoturismo para o próprio viajante.
O evento Destino Natureza também trouxe duas falas de grandes especialistas internacionais. O professor Dr. Harold Goodwin, diretor na Responsible Tourism Partnership, e o professor e futurologista Dr. Ian Yeoman, da Victoria University of Wellington trouxeram provocações e reflexões sobre como o sistema tradicional de se fazer turismo está desmoronando e o que queremos para o futuro do setor. “Medimos o sucesso do turismo apenas pelos indicadores econômicos. Precisamos olhar para o turismo sob uma perspectiva humana, que significa olhar para a nossa relação com a natureza”, alertou Yeoman. Já Goodwin incentivou os participantes a pensarem “de quem é a responsabilidade?”: “O mínimo que esperamos é que as pessoas não causem danos, mas precisamos de mais. Precisamos de impactos positivos, precisamos de investimentos com os recursos do turismo”, lembrou ele.
A importância das parcerias público-privadas nas Unidades de Conservação
Jaqueline Gil, professora da UnB (Universidade de Brasília) e CEO da Amplia Mundo moderou os painéis do segundo dia de evento, que trataram de “Estratégias de Investimento em Negócios de Turismo de Natureza”. Jaqueline iniciou a fala lembrando o caso de sucesso da África do Sul, que tem 90% de seus parques concessionados.
Trazendo referências de iniciativas público-privadas já estabelecidas em parques do estado de São Paulo, Luciana Sagi, consultora para o desenvolvimento sustentável do turismo em áreas protegidas, destacou como as parcerias representam uma oportunidade, já que os governos não podem dar conta de tudo, e lembrou que elas podem assumir diferentes modelos e formatos. “Não existe uma forma ou solução única para estas parcerias”, complementou Maria Cecília Wey de Brito, do Instituto Ekos Brasil, trazendo a importância do papel das ONGs na gestão e conservação das áreas protegidas.
O último dia de evento trouxe profissionais do Ministério Público e do BNDES para apresentarem suas visões em relação ao potencial do ecoturismo e do turismo responsável nas Unidades de Conservação, as facilidades e desafios. Camila Costa, chefe de Departamento para Estruturação de Projetos de Concessões Socioambientais do BNDES, explicou que a pauta das concessões em UCs é recente no banco, mas já é vista por suas múltiplas potencialidades e conta com um programa específico destinado a ela.
Alexandre Gaio, do Ministério Público do Paraná, alertou para dois temas importantíssimos: a necessidade de escuta às populações tradicionais, que vivem no entorno das áreas protegidas, durante o processo de concessão, e o risco de perdermos áreas de preservação por questões políticas: “O fato de nós não termos parques estruturados dá chances para que setores econômicos e políticos busquem a diminuição das unidades”. Os debatedores concordaram com a necessidade do olhar cuidadoso, porém voltado para a eficácia das concessões em Unidades de Conservação, lembrando que o objetivo delas é criar a cultura da conservação e não o simples lucro.
A experiência da Grande Reserva da Mata Atlântica
Como modelo de interlocução entre a preservação ambiental e o turismo, Marion Leticia Bartolamei, bióloga e gerente de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, apresentou a Grande Reserva da Mata Atlântica, iniciativa de conservação e desenvolvimento que abrange a maior faixa contínua preservada de Mata Atlântica do país, entre São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
“A Grande Reserva não é um projeto, é uma forma diferente de você olhar um território e dar uma vocação a esse espaço, considerando a questão do desenvolvimento social e econômico, e que acaba trazendo a conservação da natureza como seu principal ativo”, explicou. Em poucos anos de existência, a Grande Reserva já conta com diversos atores envolvidos, roteiros cadastrados, parceria com associações e instâncias de turismo dos governos.
Confira os painéis dos três dias de evento:
Conectando destinos de natureza e a gestão das Unidades de Conservação com o mercado do turismo
Estratégias para Estratégias de investimento em negócios do turismo de natureza
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