Provar novos sabores é uma das maiores delícias de uma viagem, mas nem sempre aquilo que comemos faz bem para nós ou para o destino que visitamos. A ecogastronomia une a ética, o prazer e a sustentabilidade na comida. Essa prática ainda pode ajudar o turismo a desenvolver suas estratégias de sustentabilidade, reduzir seus impactos negativos e atrair viajantes conscientes.
O que é a ecogastronomia?
O nome ecogastronomia foi criado por Carlos Petrini, jornalista e fundador do Slowfood, movimento que se dedica à luta contra as grandes redes de fastfood que se espalharam pelo mundo, ofertando produtos ultraprocessados, abrindo concorrência massacrante contra os pequenos restaurantes de comida local e gerando grandes impactos para o meio ambiente e população, como o sobrepeso, o uso de agrotóxicos ou os maus-tratos aos animais.
A ecogastronomia é um estilo gastronômico que prioriza os alimentos naturais, locais, sazonais e orgânicos. Seu lema é que seja uma gastronomia boa, limpa (sem agrotóxicos) e justa. Portanto, é uma cozinha consciente, que aproveita o máximo dos alimentos e, a partir da sua diversidade, oferta pratos com sabor, nutrientes, respeito ao meio-ambiente e à comunidade local.
Alguns dos princípios que norteiam a ecogastronomia são:
- Agricultura familiar e/ou orgânica, para fomentar a microeconomia, preservar a saúde do agricultor e da natureza.
- Valorização do agricultor/produtor, se baseando no comércio justo a fim de promover a saúde econômica destes.
- Produção local, diminuindo a emissão de carbono e perda de alimentos no transporte, além de estimular o uso de ingredientes locais.
- Proteção à biodiversidade, respeitando os ciclos da natureza e a sua regeneração.
- Diversidade, priorizando alimentos locais e não convencionais, como forma de ofertar uma culinária autêntica e regional.
- Alimentos frescos e naturais, que fazem bem ao consumidor, sem perder o sabor.
- Zero desperdício, fazendo uso de todas as partes dos alimentos.
- Descarbonização, com a valorização da produção local e sem agrotóxicos, a ecogastronomia auxilia nas metas de descarbonização de restaurantes e hotéis.
Ecogastronomia para um turismo sustentável e autêntico
A ecogastronomia está intimamente ligada às práticas de turismo gastronômico e pode auxiliar os destinos a desenvolverem atrativos sustentáveis e autênticos, que beneficiam a comunidade, a natureza e os viajantes. No Brasil, especialmente vinculado ao Turismo de Base Comunitária, temos uma série de projetos que mostram essa possibilidade, provando que, através dos alimentos, os anfitriões e viajantes podem estabelecer uma relação mais próxima, divertida e diferenciada entre si.
Alberto Viana, pesquisador e educador na área de ecogastronomia e turismo sustentável, nos conta que foi através do seu trabalho no Incra, ao entrar em contato com a agricultura familiar e a reforma agrária, conhecendo assentamentos que recebiam visitantes, que ele percebeu o potencial da gastronomia sustentável no turismo. Nestes ambientes, o que mais chamava atenção dos turistas eram as sementes crioulas, a possibilidade de consumir alimentos sem agrotóxico e o contato com uma culinária raiz, que utiliza receitas tradicionais e alimentos não convencionais em sua composição.
Desde então, Alberto iniciou seus estudos na área, ajudando o desenvolvimento da ecogastronomia no Brasil e apoiando a estruturação de roteiros pautados neste modelo de experiência. Para ele, a ecogastronomia ajuda a romper a hierarquia da cidade em relação ao campo, mostrando como ambos podem se apoiar para o seu desenvolvimento sustentável.
Porém, não é apenas de turismo de base comunitária que vive a ecogastronomia: hotéis e restaurantes podem ajudar com que os destinos tenham iniciativas cada vez mais responsáveis na gastronomia. Um ótimo exemplo de ecogastronomia em restaurantes é o Bijajica, comandado pelo chef Fabiano Gregório, que faz parte do movimento Slow Food desde 2008 e, desde 2012, atende eventos na região de Florianópolis e arredores com uma cozinha regional e responsável, além de ofertar comidas para entrega, onde 35 pratos possuem certificação orgânica.
Agora, Fabiano Gregório dá mais um passo para atender os moradores e turistas da ilha, abrindo o restaurante Bija no shopping aberto Oka Floripa. Na casa, os visitantes podem se deliciar com uma padaria com comidas típicas feitas de mandioca, como o biju, o bolo bijajica ou o cuscuz de mandioca, também de pães de trigo não transgênico e de fermentação natural e, ainda, do almoço e jantar com alimentos agroecológicos e/ou orgânicos, vindos em sua maioria da região de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Além das iniciativas relacionadas diretamente com a comida, o Bija investe em ações sistêmicas para proporcionar toda uma experiência ecológica, como eliminar a maior quantidade de plástico possível da sua cozinha, entregar os congelados com embalagem biodegradável feita de cana, aproveitar alimentos que seriam desperdiçados transformando-os em produtos duradouros, fazer a compostagem dos resíduos orgânicos e educar o consumidor sobre a importância das iniciativas feitas ali.
Vivências ecogastronômicas
As possibilidades para a ecogastronomia no turismo são inúmeras, com a vantagem de valorizar as comunidades e a economia local, além de proporcionar para o viajante experiências de imersão, onde o alimento se torna o elo que conecta uma vivência muito mais ampla. Conheça algumas das vivências ecogastronômicas incríveis no Brasil:
Jardim Vitória Régia, Dulce: em Alter do Chão, no Pará, o turista tem uma experiência completamente diferente, visitando um jardim de vitória régia e experimentando os produtos que Dulce faz com a linda planta.
Núcleo de Turismo Étnico Rota da Liberdade: na região de Cachoeira, Bahia, o turista pode conhecer mais da cultura e culinária afrodescendente, visitando, por exemplo, o Quilombo Kaonge grande produtor de ostras.
Quilombo do Campinho: em Paraty, Rio de Janeiro, é possível visitar o Quilombo do Campinho para um tour onde o viajante conhece seu sistema agroecológico, a casa de farinha, loja de artesanatos e almoça em seu restaurante, onde parte da comida é colhida ali mesmo e você pode provar delícias como a caipirinha de juçara.
Cogumelos, pancs e agrofloresta com Jorge Ferreira: também em Paraty, Jorge Ferreira é especialista em cogumelos selvagens, pancs e agrofloresta. Nas vivências que ele oferta as pessoas são convidadas a sair em busca dos alimentos na mata para depois prepararem pratos com o que encontraram.
Acolhida na Colônia: com diversas opções no estado de Santa Catarina, a Acolhida na Colônia promove o turismo rural baseado na agroecologia.
Participar de experiências de ecogastronomia mostra como o que é bom para a natureza é melhor também para os produtores e para o nosso corpo. Todas as partes envolvidas saem ganhando aqui! E aquilo que alimenta bem o corpo, alimenta também a alma do viajante.
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