Lembro que este era o dia da viagem ao Peru que eu mais temia a chegada. Tinha feito poucas caminhadas pesadas antes. Nenhuma em altitude. Agora eu precisava alcançar os 4.600 metros! Tudo o que eu havia lido e visto na internet sobre a trilha para a Laguna 69 era ao mesmo tempo apaixonante e assustador. Será que eu conseguiria chegar lá?
Nos outros dias da minha viagem por Ancash, departamento no Peru que abriga o Parque Nacional Huascarán e suas centenas de lagoas, fizemos atividades mais leves, com trilhas bem mais tranquilas. Aquele seria, em todos os sentidos, o “momento auge”. Segui todas as recomendações possíveis para adaptação à altitude (falo mais sobre elas abaixo) e coloquei na minha cabeça que eu ia dar meu máximo, mas estava tudo bem se eu precisasse desistir.
A Laguna 69 é possivelmente uma das trilhas mais concorridas dentro do Parque Nacional Huascarán. Isto porque, além de poder ser feita em apenas um dia, ela nos presenteia com paisagens surpreendentes e a magia turquesa da Laguna 69, cercada por neve, ao final. É um percurso que pode ser feito por quem tem um mínimo de preparo físico. Mas não se engane: é muito importante se preparar psicologica e fisicamente e também investir nas vestimentas. Apesar de serem apenas 14 km ida e volta, são muitas subidas íngremes e a altitude faz TODA a diferença para nós que não estamos acostumados.
Onde fica a Laguna 69 no Parque Nacional Huascarán
A Laguna 69 é uma das mais de 500 lagoas formadas por água de degelo na Cordilheira Branca, conhecida como a cadeia montanhosa tropical mais alta do mundo. A Cordilheira Branca é parte da Cordilheira dos Andes. É considerada a maior reserva de água doce do Peru e abriga a montanha mais alta do país, o famoso Nevado Huascarán, que está a 6,768 m acima do nível do mar. Além dele, há outros 15 picos com mais de 6 mil metros de altura na região.
Ocupando uma área de 3.400 km2 dentro da Cordilheira Branca está o Parque Nacional Huascarán, fundado em 1975 e declarado pela UNESCO como Patrimônio Natural da Humanidade em 1985. A trilha para a Laguna 69 é uma das diversas trilhas disponíveis no Parque Huascarán, que se tornou um destino preferencial para montanhistas e amantes do turismo de aventura. Além de trilhas curtas, o parque oferece oportunidades de trekkings de vários dias, escalada e trilhas de mountain biking.
Localizado em Ancash, um dos 25 departamentos do Peru, na região nordeste do país, o Parque Nacional Huascarán costuma ter como base a capital Huaraz, embora outras cidadezinhas como Yungay e Caraz estejam mais próximas de alguns pontos de entrada. A partir destas cidades é possível seguir de carro ou contratar um guia para chegar ao ponto inicial da trilha da Laguna 69: Cebollapampa.
Vale à pena, claro, ficar em Huaraz por mais dias e explorar outras trilhas, lagoas e atividades no Parque Huascarán.
A Rota do Câmbio Climático
Em 2013, o Peru decidiu lançar a Ruta del Cambio Climatico, com o objetivo de conscientizar viajantes sobre a emergência das mudanças climáticas. A rota percorre a trilha até o Nevado Pastoruri, um dos mais famosos do Parque Nacional Huascarán. O glaciar, com 5.200 metros de altura, é um dos locais mais afetados no Peru pelo aquecimento global. Metade das suas geleiras já derreteram. De acordo com especialistas, entre 1980 e 2019, o glaciar recuou mais de 650 metros. A trilha até o Glaciar Pastoruri é relativamente curta (5 km ida e volta) e pode ser feita em poucas horas.
Informações práticas sobre o trekking da Laguna 69
Recomendo MUITO você contratar um guia especializado para te acompanhar. Embora a trilha seja bem sinalizada, os guias locais estão acostumados com todos os desafios, dificuldades em relação à altitude e estão sempre bem equipados para qualquer emergência. Nosso guia tinha sempre água, folhinhas de coca e, principalmente, mensagens encorajadoras que ajudaram muito no meu psicológico!
Preparando-se para o mal de altitude, ou soroche
Assim como Machu Picchu ou outros destinos da Cordilheira dos Andes, Huaraz é uma região de altitude, o que representa menos oxigênio à nossa disposição. Huaraz está a 3.052 metros acima do nível do mar e a trilha para a Laguna 69 começa a 3.800 m. Porém, você precisa estar preparado para um desnível de 800 metros. Ao final da trilha alcançamos os 4.600 metros.
As pessoas reagem de diferentes formas à altitude. Há quem não sinta nada e há quem passe bastante mal. Os principais sintomas da falta de oxigênio no sangue e nos tecidos (hipoxia) são falta de ar, cansaço, náuseas, vômito, dor de cabeça, aumento da frequência cardíaca e desmaios.
Nas vezes em que estive em maiores altitudes (Cusco e Machu Picchu; Deserto do Atacama e Huaraz), busquei seguir todas as recomendações à risca e o máximo que senti foi cansaço. Caminhando uma quadra em linha reta em Cusco eu já ficava exausta!
No Peru utiliza-se muito a palavra de origem quechua soroche que significa “mal de montanha”. Os peruanos estão acostumados com a altitude e sempre preparados para receber quem não está com chás, folhas e balinhas de coca.
Aqui estão algumas dicas para você evitar qualquer sintoma desagradável do mal de altitude:
– Dieta leve e sem álcool: nos dias que antecedem a viagem, vale à pena já começar a evitar alimentos pesados e gordurosos e bebidas alcoólicas. E, quando estiver no destino, principalmente! Frutas, verduras, peixes, quinoa e chás são boas pedidas.
– Muita água! A água, como sempre, é uma super aliada de quem quer se sentir bem. Manter-se hidratada (o) na altitude é primordial.
– Comprimidos para mal de altitude: as Sorojchi Pills podem facilmente ser encontradas no Peru e Bolívia e são usadas por muitos viajantes pois elas atuam aliviando os sintomas causados pela altitude. No Brasil, o remédio mais comprado é o Diamox, que age na prevenção, buscando pré-ajustar o corpo à altitude. Tanto nestes, quanto em outros casos de remédios, é sempre importante consultar um médico antes para dosagens e contraindicações. Eu não tomei nenhum dos dois comprimidos e não posso opinar. Quando fui a Huaraz, porém, procurei uma homeopata para me indicar umas gotinhas. Recebi esta dica da Roberta Martins, do blog Territórios, que fez a trilha comigo. Mas confesso que não lembro o nome do remédio.
– Aclimatação é essencial. Sempre que possível, passe os primeiros dias em locais de altitude intermediária e vá subindo aos poucos. No primeiro dia descanse. Não faça esforço. E, em seguida, dê preferência primeiro às trilhas mais leves até se acostumar.
– Coca: a folha da coca estimula a absorção de oxigênio pelo organismo e é usada há muitos séculos para ajudar a combater os efeitos da altitude no corpo. Para os Incas, ela era uma erva sagrada. Muitos andinos mastigam a folha da coca pura, que tem o melhor efeito. Você pode fazer essa tentativa. Eu achei super amarga e não gostei. Os hotéis e restaurantes sempre oferecem o chá de coca e balinhas de coca com mel estão à venda em várias lojinhas.
Laguna 69: como é a trilha?
Saímos do hotel em Huaraz às 5 e pouco da manhã. Aí já começa o desafio! Rsrs São 2 horas de carro, ônibus ou van até o início da trilha, em Cebollapampa. Esta noite tínhamos dormido no Cuesta Serena Hotel, fora da cidade e mais próximo do nosso destino. Se você estiver hospedada no centro de Huaraz, o tempo até Cebollapampa pode ser de até 2h30.
A paisagem até nosso destino já vai entregando um pouco do que está por vir: uma cordilheira de picos nevados, céu azul e cenários estonteantes. A estrada segue pelo famoso Callejón de Huaylas, que é o nome dado ao vale interandino formado entre a Cordillheira Branca e a Cordilheira Negra (mais próxima do Pacífico).
Fomos direto até Cebollapampa, mas há quem opte por fazer uma parada na Laguna Chinancocha (Llanganuco) no caminho. Nós visitamos essa laguna no dia anterior, em um roteiro especial que conto em outro post!
Mesmo assim, nosso grupo foi um dos últimos a chegar e o último a sair da trilha neste dia! Recomendo ir realmente cedo, para você seguir a trilha no seu ritmo. Começamos fazendo um pequeno ritual para agradecer à Pachamama (mãe terra) e pedir proteção. Em seguida, partimos em nossa caminhada. Os primeiros quilômetros foram bem tranquilos, com poucas pedras e subidas. Estava encantada com as montanhas e picos nevados que nos cercavam e o tempo passou rápido.
Começamos com bastante frio. Aos poucos, o corpo foi esquentando. O sol ia e vinha e pudemos então tirar algumas roupas. Mas o cansaço logo começou a aparecer. As placas indicando os quilômetros pareciam estar cada vez mais distantes. Alcançamos então a primeira subida íngreme e cheia de pedras, que, se não fosse em altitude, talvez eu tivesse tirado de letra. Eu estava tão concentrada em manter o ritmo e não deixar o psicológico me abalar, que nesses momentos de maior dificuldade não tirei nenhuma foto.
Já havíamos passado de 4 km quando as primeiras duas pessoas do grupo desistiram e uma das guias voltou com elas. Confesso que aquilo me abalou um pouco, porque eu não me sentia tão preparada quanto os outros que continuavam. Nosso guia dava orientações sobre respiração e constância e, no meu entendimento, a possibilidade de voltar não existia mais. Aos 5 km alcançamos a Laguna 68 que, com o dia cinzento, não chama muito a atenção.
A partir daí a trilha aperta. O quilômetro final é bem íngreme e pedregoso e parece não terminar nunca! Meu corpo começou a sentir exaustão mesmo. Não era dor. Era fraqueza e falta de ar. A cada platô, a falsa esperança de que tínhamos chegado. Os meninos já tinham disparado na frente e eu fiquei atrás com a Roberta e Gisele. Foi a persistência delas que não me deixou desistir. Elas iam na frente, sem parar, e eu sentia que precisava fazer o mesmo. Passamos por algumas pessoas que já estavam voltando e nos encorajavam.
Finalmente, ela apareceu! Linda, turquesa, tranquila, cercada de neve. A sensação de conquista e realização de mistura com o encantamento com a beleza. Já tinha visto lagoas mágicas tão belas quanto aquelas no Atacama e na Bolívia, mas nenhuma delas tinha exigido tanto de mim. A Laguna 69 realmente tem algo de mágico!
Como já chegamos tarde e a chuva estava ameaçando chegar, infelizmente não tivemos muito tempo para ficar por lá, respirando e contemplando. Mas a grande vantagem foi que a Laguna 69 era só nossa! As últimas pessoas tinham acabado de sair. Conseguimos sentar um pouco, reidratar, comer um lanche e fazer nossa sessão de fotos. Além, é claro, de comemorar bastante!
Nossa volta foi mais rápida e tranquila que a ida. Para descer é sempre mais fácil! Mas pegamos umas chuvinhas chatas no caminho. Nada insuportável, mas o suficiente para trazer o frio de volta e nos deixar molhados.
O que vestir e levar para a trilha da Laguna 69
Pegamos chuva, sol, frio e calor. Portanto a dica é: vista-se em camadas. É uma boa começar com uma segunda pele térmica, colocar um fleece e um casaco impermeável por cima. Por baixo da calça eu usei também uma legging para esquentar. Não se esqueça de usar um bom calçado de trilha. Tênis vagabundos podem acabar com os seus pés! Evite levar peso. Cada grama parece pesar muito mais na altitude!
Seguem as minhas sugestões:
– Casaco impermeável / capa de chuva
– Bota de trilha confortável
– Calça de trilha confortável
– Fleece
– Mochila com água (muita!) e lanche leve
– Bastão de caminhada (opcional)
– Protetor solar
– Óculos escuros
– Gorro e luvas (dependendo da época do ano)
Laguna 69: quando ir
Os meses mais indicados para se fazer a trilha são entre abril e outubro, quando há menos chuva e a trilha fica menos perigosa. Porém, é importante lembrar que julho e agosto são meses de inverno e bem frios. Eu fiz a trilha no dia 1º de novembro e, apesar da chuvinha que pegamos na volta, achei que funcionou bem!
Onde ficar em Huaraz
Como falei anteriormente, uma boa opção para fazer a trilha da Laguna 69 e outras trilhas do Parque Nacional Huascarán é ficar na cidade de Huaraz, capital de Ancash, onde há opções variadas de acomodações – dos albergues aos hotéis mais chiques. Eu fiquei hospedada inicialmente no Andino Club Hotel, um hotel bem aconchegante, localizado no centro, com boa comida e uma vista bem especial da cidade.
Na nossa última noite fomos para o Cuesta Serena Boutique Hotel, um lodge mais rural, nos arredores de Huaraz, suuuuper charmoso! Na volta da trilha fizemos questão de relaxar na piscina aquecida! A hospedagem no Cuesta Serena é uma experiência realmente especial.
Viajei a convite da Promperú e da Adventure Travel Trade Association – ATTA
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