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Bhopal – a cidade indiana que prosperou liderada por mulheres

Bhopal
Escrito por Ana Duék

Bhopal, capital do estado de Madhya Pradesh, na Índia, está a pouco mais de 1 hora de avião de Nova Delhi. A capital, que para propósitos históricos e turísticos leva o simpático nome de “Cidade dos Lagos”, por ter aproximadamente 20 lagos naturais e artificiais, infelizmente carrega outra lembrança, muito mais forte, que a faz ser lembrada internacionalmente. Em 3 de dezembro de 1984, um grande vazamento de 27 toneladas de isocianato de metila, da fábrica de agrotóxicos americana Union Carbide, matou mais de 25.000 pessoas e deixou mais de 400 mil intoxicadas naquela semana e nos anos seguintes. Até hoje, moradores e gerações posteriores sofrem com doenças decorrentes do ar e águas contaminadas e a empresa, agora sob a chancela da Dow Chemical Company, nunca pagou verdadeiramente os danos da tragédia anunciada. Desde então, 3 de dezembro é celebrado o Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos.

Mas Bhopal tem outra história por trás desta. Muito mais interessante e encantadora. Fundada no século XI pelo rei Raja Bhoja, da dinastia Paramara, que governava a região de Malwa, na Índia central, a cidade ganhou inicialmente o nome de Bhojpal, uma homenagem ao rei e à represa (pal) que ele construiu em volta da cidade, formando lagos artificiais.

Mas foi durante a época das princesas muçulmanas, as Begums, que Bhopal realmente floresceu e se desenvolveu política, cultural e arquitetonicamente. Durante o século XIX, a cidade foi governada por uma dinastia de muçulmanas fortes, que mostraram que toda a tradição histórica e religiosa da submissão das mulheres islâmicas já foi quebrada muito antes do nosso século. Em Bhopal, no século 19, eram elas que mandavam.

Mesmo não reconhecida oficialmente como uma Begum, Mamola Bai (1744-95) foi a primeira mulher a liderar a cidade “por trás dos panos”, durante 50 anos, no lugar de seu marido e filhos. No entanto, os governantes de Bhopal provavelmente continuariam a ser homens, se não fosse pela bravura da jovem Qudsia, de 18 anos, que se declarou governante logo após a morte do marido Nawab Nazar Muhammad Khan, e a filha, Sikandar, de então 15 meses, como a herdeira legítima.

Bhopal

As Begums de Bhopal: Qudsia Begum, Sikandar Begum, Shahjehan Begum e Sultan Jahan Begum

A partir de então, por quase 107 anos, quatro fortes mulheres muçulmanas lideraram a cidade de Bhopal e marcaram a história com grandes feitos, no que foi conhecido como o período das Begums. Qudsia Begum (1819-37) foi a primeira mulher no Sul da Ásia a afirmaro direito das mulheres muçulmanas de serem legalmente governantes de um estado. Uma muçulmana devota, Qudsia mostrou que o Islã não exclui as mulheres do poder político. Ela comandou o exército e ficou à frente de muitas batalhas.

Sikandar Begum iniciou seu governo como regente, após a morte de seu marido, substituindo sua filha Shahjehan de nove anos de idade. Nos últimos oito anos assumiu como governante de pleno direito. Desde a infância, Sikandar foi criada de forma que ela pudesse sobreviver como uma mulher poderosa em um mundo machista. Ela foi treinada em artes marciais, jogava polo, caçava e era espadachim e arqueira. Sikandar fundou a Victoria School para que as meninas em Bhopal recebessem treinamento técnico em ofícios como artesanato e adquirissem conhecimentos sobre assuntos acadêmicos básicos.

Dezessete dias depois da morte da mãe, assumiu o governo a filha, Shahjehan Begum (1868-1901). Ao contrário de sua mãe e avó, Shahjehan era distintamente feminina. Ela encorajou o desenvolvimento das artes em Bhopal e sob seu governo, o estado tornou-se um centro cultural e literário. Ela ainda patrocinou um número de poetas mulheres e encarregou um poeta masculino em sua corte para formar uma antologia que compreende os escritos de poetas mulheres.

Taj-ul-Masajid, uma das maiores mesquitas do país, construída pela princesa Shahjehan

Shahjehan melhorou o sistema tributário, construiu muitos palácios, mesquitas e monumentos e fez contribuições notáveis para habitação, educação, saúde, tecnologia e empoderamento das mulheres. Shahjehan também escreveu um manual reformista para mulheres chamado Tahzib un-Niswan wa Tarbiyat ul-Insan (A Reforma das Mulheres e o Cultivo da Humanidade). É considerada a primeira enciclopédia feminina na Índia e contém tópicos sobre o trabalho das mulheres e seu status no Islã. Com o nome similar ao do imperador Shah Jahan, ela também foi responsável por construir um palácio com o nome de Taj Mahal em Bhopal, que hoje está em condições bem ruins de conservações mas prestes a se tornar um hotel histórico.

O legado das princesas begums terminou com a filha de Shahjehan, Sultan Jahan Begum (1901-26), que começou a governar aos 43 anos. Sultan Jahan estabeleceu muitas instituições de ensino, com foco na instrução pública e educação feminina. Em 1914, ela se tornou presidente da All-India Muslim Ladies’ Association. O reinado das Begums de Bhopal se encerrou quando o filho de Sultan Jahan assumiu a coroa. Mas a dinastia marcou a história das conquistas das mulheres muçulmanas na Índia colonial, e ainda inspira as mulheres de hoje.

Mais do que conquistas feministas, os anos de governos femininos trouxeram para a cidade desenvolvimento, beleza, prosperidade e uma harmoniosa convivência entre castas e religiões.

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Sobre o Autor

Ana Duék

Jornalista de viagens com Mestrado em Gestão de Turismo e Hospitalidade pela Middlesex University (Londres). Desde 2015 defendendo um turismo mais consciente. Acredito que as viagens podem gerar mais impactos positivos para viajantes e para os destinos que nos recebem. Vamos descobrir como?